As festas e datas religiosas

Márcio Zago

Entre 1901 e 1920, objeto desta pesquisa, as festas de cunho religioso, ligados à igreja católica, eram bastante comuns. Mais que um ato de fé, as festas representavam a possibilidade de troca, de convívio social, numa época em que as opções recreativas eram mínimas. As datas religiosas representavam também importantes pontuações no contexto social. E havia data para tudo: em setembro acontecia à festa em louvor a Nossa Senhora das Brotas, no bairro do Caioçara, cuja intenção era trazer as chuvas para o município, que na época era eminentemente agrícola. Em novembro as comemorações recaíam sobre o dia dos mortos, ou dia de finados, representados pelas romarias ao cemitério local. Até o inicio do século XX as romarias se dirigiama o Cemitério da Fábrica (também nomeado Cemitério do Rosário) que por sua vez era subdividido em Cemitério do Santíssimo Sacramento (para uso exclusivo de seus membros). Este cemitério ficava ao lado da Igreja do Rosário e cedeu seu espaço para a construção do Grupo Escolar José Alvim, inaugurado em 1905.
A partir daí as sepulturas foram transferidas para o novo Cemitério Municipal São João Batista, que manteve a divisão pertencente à Irmandade do Santíssimo e assim permanece até hoje. Outra data importante no contexto religioso era o Dia da Boa Morte, que acontecia em agosto, quando na liturgia católica era lembrada a morte e a gloriosa assunção de Maria Santíssima ao céu. Organizada pela Irmandade da Boa Morte, a data era tomada pela iniciativa popular ao reunir grande quantidade de pessoas simples, roceiros vindas das mais distantes regiões do município. De cada local partia um agrupamento em romaria a pé, trazendo em charolas e pequenos oratórios suas imagens. Sempre cantando e orando até atingirem a Igreja do Rosário. Depois de reunidos, os diferentes grupos partiam em procissão até a Igreja Matriz, onde ocorria a reza solene. A partir das 22 horas, com a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte colocada numa esquife em frente ao altar mor e ladeado de castiçais com velas, tinha inicio a reza popular, com o capelão. Terminada uma reza, vinha outro capelão que iniciava outra cerimônia que assim continuava noite adentro. João Batista Conti detalha esse momento no livro Atibaia Folclórica: “Em cada altar existente na igreja fazem outros grupos o mesmo ritual, e assim, numa “barulhenta complexidade”, para usar a expressão do saudoso mestre Mario de Andrade, de vozes, cantos e rezas, passam os roceiros de Atibaia esta noite de fé e religião. Por todos os cantos da igreja veem-se mulheres e crianças deitadas sobre o mosaico frio, mas recuperadas as forças, após pequenos descansos lá estão novamente, na sua missão de fé”. Conta ainda João Batista Conti que certa vez um padre querendo aproveitar a grande concentração de populares na igreja põe-se a proferir uma pregação, com linguajar rebuscado e cheio de latinório, silenciando a expressão popular e enfadando todos os presentes. A certa altura, com entusiasmo o padre gritou:
-Porque temeis, homem de pouca fé? De pronto uma velhinha que cochilava ao lado de outra cabocla acordou assustada e disse a companheira:
-Vamos comadre. Vamos que tá na hora de pôr o café! Referindo-se a distribuição de café com pão que ocorria nessas ocasiões. Esta data simbolizava a esperança do povo simples de, ao menos no final da vida, ter a possibilidade de uma “Boa Morte”. Esta celebração foi abolida pelo Cônico Domingos Bonucci na década de cinquenta. Outra manifestação religiosa muito frequente até o inicio do século XX foi o “Senhor Fora”, que como sugere o nome era marcado pela saída do Santíssimo da igreja. Isso ocorria em casos extremos, quando algum doente terminal tinha a oportunidade de confessar, comungar e receber os santos óleos da extrema unção em seu próprio leito.
Para a imagem sair da igreja os sinos eram tocados de maneira característica informando aos católicose principalmente aos Irmãos do Santíssimo sobre o fato. Na igreja todos já vestidos de opa se juntavam ao padre, que se encontrava preparado com a hóstia consagrada, partindo em seguida em direção à casa do moribundo. Fato que ocorria ao som dos sinos e dos cantos “Bendito Louvado Seja”. Terminada a incumbência todos voltavam silenciosos para casa. José Bim foi um dos últimos a receber essa manifestação em 1913 por ocasião de sua morte.
Pouco depois foi abolido pelo Padre Kohly por ordem superior. Muitas outras datas e manifestações religiosas ocorriam em Atibaia e região como as Festas de São Gonçalo, a Festa de São Sebastião, do Divino, da Santa Cruz, Corpus Christi, as romarias ao Santuário do Bom Jesus dos Perdões e outras. Todas marcadas com muita fé, funcionando como importante freio social para uma convivência mais harmônica e humanizada naquele longínquo começo de século XX.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.