Viver de arte há 100 anos

Nos vinte anos pesquisados até aqui nas páginas do jornal “O Atibaiense”, poucas vezes surgiu algum indício de trabalho que pudesse ser remunerado para quem dominava a arte do desenho e da pintura.

Márcio Zago

Se hoje é difícil pagar as contas somente com o trabalho artístico, como seria há cem, cento e vinte anos? Algum artista daquela época vivia em Atibaia somente do fazer artístico? A pesquisa nos velhos jornais fornecem algumas dicas. Por lá sabemos que o maestro Juvêncio Maciel Fonseca, um dos mais atuantes músicos do período era Secretário da Câmara Municipal, além de Tenente da Reserva.
Outro músico e funcionário público, Francisco Napoleão Maia, tinha seu ganha-pão como diretor do Grupo Escolar. Alfredo André, além de apertar o obturador da câmara fotográfica, foi também professor, dono de jornal, comerciante e funcionário dos correios. Salvo engano, não havia nenhum artista que vivesse exclusivamente de sua arte. Talvez o casal Alexandre e Nieves Paganelli seja a exceção. Dúvida que surge em razão das inúmeras campanhas visando levantar recursos para a manutenção do casal em Atibaia.
Muitas vezes o dinheiro arrecadado na bilheteria das apresentações teatrais organizados por eles era integralmente para o próprio casal, ou então os amigos organizavam subscrições com a mesma finalidade. Fato que leva a pensar que a atividade artística que desempenhavam não era por diletantismo, como ocorria por boa parte dos amadores. E os artistas plásticos? Viviam do seu talento? Provavelmente não.
Nos vinte anos pesquisados até aqui nas páginas do jornal “O Atibaiense”, poucas vezes surgiu algum indício de trabalho que pudesse ser remunerado para quem dominava a arte do desenho e da pintura: Tudo que havia eram alguns “reclames” de aulas de pintura, caso doVictorio Greco, notícias sobre a pintura de cenários realizada pelo pintor Leonardo do Coração de Jesus ou a pintura da igreja da matriz feita pelo Jerônimo Momo.
Em 1913 surgiu um artigo que iria, no futuro, mudar essa condição. Tratava-se de uma matéria escrita provavelmente pelo proprietário do jornal, o Maia. Nele apareceu pela primeira vez uma referencia aYolandoMalozzi, o escultor e desenhista que iria fazer grande sucesso nas décadas seguintes. O texto de nome “Um menino que promete”, dizia: “Tivemos ocasião de apreciar em casado Sr. Erasmo Malozzi um interessante busto de barro, do saudoso estadista Dr. Campos Salles, trabalho do inteligente pequeno OrlandoMalozzi, sobrinho daquele cavalheiro. A impressão que tivemos do trabalho de Orlandofoi ótima, pois o precoce artistazinho nos revelou qualidades que desenvolvidas, muito engrandecerão os seus méritos.
Orlando Malozzi tem decidida vocação para a escultura, pois se sem a mínima escola, sem mestre e sem os necessários apetrechos, nos apresenta um trabalho digno de figurar em qualquer exposição de arte, o que não fará quando debaixo da direção de mestres que saibam apreciar devidamente a seus méritos? Orlando, que sem direção absolutamente alguma, sabe arrancar do barro informe, linhas admiráveis, traços característicos, dignos de hábeis escultures, com a ajuda do nosso Estado, estudando sob direção de um Zadig ou Starace, poderá um dia ainda honrar o seu berço, com a glória de um nome aureolado, de um artista e mérito,da arte de Miguel Ângelo. Oxalá nosso patriótico governo o tome sob sua guarda e proteção, pois disso é digno”. Como se nota, o nome citado na matéria estava equivocado.
Era Yolando e não Orlando, mas não há dúvida tratar-se do talentoso artista atibaiano que na época tinha apenas doze anos. YolandoMalozzi foi, provavelmente, o primeiro artista natural de Atibaia que ganhou projeção fora dos limites geográficos do município e viveu exclusivamente de sua arte. Um pioneiro na arte de viver da arte.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.