Quebre o ciclo

A violência sexual contra crianças e adolescentes dentro de suas próprias famílias sendo perpetuada pelo silêncio.

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Anna Luiza Calixto

Anne Cleyanne e Zaya. Esses dois nomes ecoaram em nossos ouvidos no último domingo quando o programa Domingão com Huck colocou luz sobre uma realidade que une essas duas mulheres brasileiras: o combate à violência sexual contra crianças e adolescentes.
Com a hashtag #QuebreOCiclo, o programa ouviu o Instituto Liberta, que capitaneia movimento importantíssimo de proteção social à infância brasileira, através da diretora-presidente Luciana Temer para evidenciar a realidade violenta do país onde, no primeiro semestre de 2023, houve o aumento de 15% do número de estupros e, o que choca ainda mais, 70% desses estupros aconteceram contra meninas com menos de 13 anos. Você não entendeu errado: a cada 10 estupros no nosso país, 7 acontecem contra crianças e adolescentes que sequer completaram 13 anos de idade.
Zaya, modelo indígena de 20 anos de idade, abriu-se em rede nacional para contar sobre a violência sexual que sofria quando criança. Por sua vez, Anne Cleyanne lidera um trabalho muito potente na região amazônica através do Instituto Banzeiro da Amazônia no combate à violência sexual contra crianças e adolescentes e outras formas de violação dos direitos humanos.
Ambas nos encorajam a quebrar o ciclo de silêncio que vem perpetuando o abuso sexual há gerações nas famílias brasileiras, calando meninos e, sobretudo, meninas sobre as aberrações que violam seus direitos à dignidade sexual e integridade física, moral, psíquica e psicológica durante o que chamamos de desenvolvimento peculiar – o que torna tudo ainda mais cruel.
Quando a tela preta que separava Zaya e Anne sobe e cria um vão entre as duas, Anne corre na direção de Zaya para abraçá-la dizendo “sinto muito”. Nós também sentimos, enquanto rede de proteção, sistema de garantia de direitos e sociedade brasileira, por termos falhado ao não chegar a tempo na vida das vítimas que, agora sobreviventes, ensinam-nos a resistir com resiliência e coragem, quebrando a ampulheta que conta o tempo que corre contra nós no silenciamento das meninas e meninos abusados, explorados, violados e violentados das formas mais graves e perversas.
Para você, que lê essa coluna, três palavras: quebre o ciclo. Não cale a voz que emerge dentro de você ou de quem você ama pedindo socorro e rompendo o silêncio. Só assim seremos capazes de reescrever as histórias manchadas de sangue inocente daqueles e daquelas que ousaram confiar em quem se revelou seu algoz. O carrasco da infância brasileira muitas vezes é sorridente e aparentemente confiável. Diz ser carinhoso e, com um tipo estranho de “canto da sereia”, seduz a criança a ponto de confiar sua confiança e a de sua família. A mão que entrega o doce é a que amordaça a boca. O sorriso que diz “você pode confiar em mim” se converte em semblante de ameaça e opressão anunciando “você não vai contar pra ninguém ou vai ver só do que eu sou capaz”. Não podemos dar poder aos abusadores nos calando diante das violências para protegê-los da punição da Lei ou da reprovação pública. É o mínimo que deve acontecer, é só uma parcela do que eles procuraram para si.
Quebre o ciclo, não quebre a confiança da criança que, mesmo que silenciosamente, pede ajuda.

SERVIÇO
Para denunciar violência sexual contra crianças e adolescentes, disque 100 ou ligue para o Conselho Tutelar mais próximo de você.