Festa de São Gonçalo

Márcio Zago

A Festa de São Gonçalo já era comum em Atibaia no inicio de século XX. De tradição portuguesa, chegou ao Brasil em princípios do Século XVIII, com os fiéis de São Gonçalo de Amarante. Sem data fixa para acontecer, em geral a festa é realizada como pagamento de alguma promessa. Na cerimônia o santo de devoção é colocado num altar ornado com ramas e flores, tendo a frente os devotos em filas. As rezas são acompanhadas de violeiros e dançantes, que batem palmas e os pés. No jornal “O Atibaiense” da época havia citações, aqui e ali, sobre determinadas festas que ocorriam em diferentes pontos da cidade. Por estes artigosconhecemos certas particularidades da festa, como por exemplo: Em 1904, a imagem de São Gonçalo saiu da Capela do Santo Cruzeiro (hoje Praça Miguel Vairo) em direção à chácara onde realizou a festa numa “charola ricamente adornada” em procissão e ao som dos foguetes e da banda de música. Sabemos também que nos intervalos da festa eram tocadas valsas e polcas. Mas o relato mais preciso fica por conta do cronista “Kromprinz”, que assinava a coluna “Palestrando”. Neste importante relato o autor descreveuma festa de São Gonçalo ocorrida em 1907.
“A festa de São Gonçalo, do Antônio Elesbão é o assunto do dia. Eram seis e meia da tarde quando desta cidade partimos em demanda à chácara do falecido Cap. Porfírio, que dista três quilômetros. Munimo-nos de uma lanterna por via das dúvidas para a volta, pois fomos em “marche, marche”, este criado, o Maia (proprietário do jornal) e mais dois companheiros, entretendo-nos em alegres palestras sobre o assunto da reza de São Gonçalo, quando fomos abordados por mais um reforço de prazenteiros rapazes, entre eles o Didi e o Juca, que cantavam e poetizavam (…). Prosseguimos nosso caminho, sem mais incidentes, até a encantadora vivenda do Nho Jango, onde no terreiro ardia uma grande fogueira de grossos troncos de árvores secas.
Fomos festivamente recebidos pelo Antônio Elesbão que em nossa honra mandou queimar três foguetes (…). Às oito horas o Elesbão veio com toda diplomacia nos convidar para a bóia, o que com bastante prazer aceitamos.Uma mesa bem servida onde fumegavam variadas iguarias: quartos de leitoa; cabeças de ditas recheadas e o competente afogado. (…). As mesas sempre eram sucedidas por novas, com a mesma abundância e regada sempre com bom vinho e a “milagrosa” do Patrocínio. Finda a terceira mesa foi esta mudada para outro compartimento continuo a fim de desocupar a sala do altar e da reza. Às nove horas os violeiros começaram afinar o pinho que demorou pelo menos meia hora. Na sala continua a boia com grande ardor, pois haviam fregueses que repetiam duas e três vezes. (…). Às nove e meia houve um zum, zum: era a reza que ia começar. OOOh Capelão de uma figa! Começaram com o “Deus nos Salve” numa desafinação que dava dores de barriga, numa canção fúnebre meia entonação de Budá! A ladainha com o seu “orai pronóbilis” esteve esplêndida e comovente arrebatando os corações mais empedernidos. (…). Como fazia falta o nho Messias, com a sua vozinha sonora em falsete tocada a pistom e a trombone. (…). Finda a reza deu-se o começo da primeira volta. Esteve sublime o bate pé e mão. Na sala da frente jogavam o douradão várias pessoas, ouvindo se de vez em quando “TRUCO!!!”. Na primeira volta o Horácio N. e o Maia entraram no meio dos gonçaleiros, mas como havia perspectiva de greve por parte dos foliões saíram de barriga…Findou-se a volta as 11 horas da noite. Na sala continua ainda continuava a boia quase com os mesmos convivas,entre eles um pândego que suspendeu um quarto de leitão. A meia-noite dispensou muita gente indo em grandes mascotes para a cidade. Só um troly carregou oito pessoas sendo o mais magrinho o Horácio,que o boleada. (…). Não esperamos a segunda volta. Despedimos meio à francesa e pusemos o pé na estrada, com os mesmos companheiros, salvo alguns mais que aproveitaram o farol conduzido pelo Guaxinduva, que também lá esteve, voltando meio mofino, devido a não poder dançar ao menos uma volta. Aqui chegamos àmeia noite e meia, encontrando a cidade toda na paz do Senhor, sem uma viva alma acordada!”.
O dado triste do interessante relato ficou para o final, quando o cronista descreve a cena que encontrou ao passar pela Avenida Juvenal Alvim. Lá ele se deparou com o velório de uma criança que jazia sobre a mesa. Velar o corpo sobre a mesa era comum na época e reforçava a estatística da grande mortalidade infantil existente em Atibaia. Fato que só começou a se reverter no inicio dos anos oitenta, quando houve um esforço do poder público em criar condições para melhorar esse quadro.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.