Assim era o entrudo em Atibaia…

Marcio Zago*

Em fevereiro de 1906 o jornal “O Atibaiense” dava sinais de que o clima carnavalesco daquele ano iria esquentar. Mas como era o carnaval em Atibaia na primeira década do século XX? Sua população era de somente 12.000 habitantes,lembrando que seria necessária mais de seis cidades para lotar o Estádio do Maracanã, que atualmente é de 78.838 lugares. Nocentro urbanopoucas ruas de terra batida iluminadas a lampião. Neste pequeno aglomerado, onde tudo mundo conhecia todo mundo, acontecia o respeitoso festejo ao Rei Momo. Os jovens e as crianças se divertiam com as brincadeiras próprias da época, mas os adultos não gostavam como demonstra este artigo: “Chamamos a atenção do Senhor Delegado de Policia para uma malta de menores que todas estas noites andam pelas ruas da cidade molhando a torto e a direito senhoras e meninas que se acham nas janelas. Esses desocupados andam em magotes, munidos de seringas enormes de taquara, atacando todas quanto encontram em suas passagens (…)”. Além da seringa de agua, as laranjinhas de agua de alfazema completavam a “malvadeza” infanto-juvenil. Para os adultos havia os bailes à fantasia que aconteciam com frequência no Club Recreativo.Já, naquela época, os concursos de melhor traje incentivavam a participação “a caráter” dos seletos participantes. Havia ainda o “formidoloso” Zé Pereira que saindo do antigo teatrinho do Largo do Mercado percorriam as ruas da cidade. Este poema publicado na época esclarece:

“Vinde, vinde sem receio.
Que o carnaval de Atibaia
É homem que veste saia,
É um Deus inofensivo.
É um deus que fala com Deus,
Desce ao inferno e sobe aos céus
Num riso consecutivo!”

A grande novidade daquele ano, 1906, foi o desfile de carros alegóricos. Anos antes duas associações se uniram para organizar o carnaval: O Club Recreativo Atibaiano e a Sociedade Recreativa Carlos Gomes. O resultado animou, abrindo caminho para a estreia do desfile de carros alegóricos, que pela primeira vez percorreu as ruas da cidade. Antevendo o sucesso “O Atibaiense”, num esforço linguístico sem precedentes,publicou a seguinte matéria convocando as pessoas para a festa: “Ran! Que tãtatã, que tratatrã, que tatatrã! Viva o Zé Pereira! Vi…vó…! Viva o carnaval de Atibaia! Viva !!! Preparai-vos, – ó gentes d’outros mundos! – e vinde à paradisíaca Atibaia onde vos espera o mais estrondoso carnaval que houve e haverá, nunca, jamais, em tempo algum. Vinde! Vinde que a Caverna do Momo tem escancaradas as brechas, para vos receber, como faces de gigantes piramidais! Lá dentro tem fervido todas as noites, nos grandes caldeirões da ORGIA, em ribombos estridulosos, os caóticos manjares que servem a gula de um serrilho de seiscentos mil diabos de tamanhos diversos! Vinde! Vinde ó povos de outros mundos! Ó mundos de outros povos! E vereis, estupefatos, o deslizar do mais luzidio préstito de que a memória nos anais das TRAPIZONGAS! Vinde, ó belezas feminil! Largai por três dias a placidez do olimpo onde habitais em nostalgia de sonhos, e entrai triunfantemente no salão do monstruoso Poleiro caçando a luz das lâmpadas Luciféricas, a luz dos vossos olhos endemoniados !
Passado o carnaval, um colunista que assinava com o pseudônimo de K.Olhodescreveu em versos o carnaval daquele ano.

“O Carnaval da Atibaia

Havia, na Atibaia, um reboliço enorme, um gargalhar constante, uma alegria enorme.
Alegria só própria do grande carnaval e que nós diremos: de um grande festival!
Do mais rico ao mais pobre e do velho ao mais moço,Havia em todos eles o mesmo alvoroço
E a mesma conclusão: cantar, rir é tudo!
Nestes dias de troça do GRANDE deus entrudo,
Do nosso Momo amigo!
-Nisto, uma enxurrada
de asneiras e tolices, a toa derramada em brancos papeluchos, fez estardalhaço!!!
É que o povo apreciava OLYMPICO Palhaço”.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.