Palavras em inglês dominam vocabulário na pandemia

Por Luiz Gonzaga Neto

Os estrangerismos sempre foram apontados como um mal antigo no Brasil e a pandemia só agravou o relativo problema. “Lockdown” entrou para o vocabulário popular e cotidiano no sentido de fechamento total dos serviços. “Home office” já circulava no campo dos Recursos Humanos, mas também se impôs neste período, marcado pelo teletrabalho, as tarefas da firma feitas em casa. Estão agora na companhia, desejável ou não, da famosa expressão “fake news”, informação falsa, que de tanto repetida tornou-se quase “verdadeira”. E tantas outras palavras que você, caro leitor (a), deve estar lembrando, como drive thru, delivery (retirada ou entrega na porta), “lives” (apresentações pela internet) e também o “take away” (retirada no local).
A gente até esqueceu que covid-19 é formada pela abreviação das palavras inglesas “co” para corona, “vi” para virus, “d” para disease (doença) e 19 referente ao ano (2019) da descoberta do novo coronavírus. Mas a grande questão quando se fala em vocábulos de outras línguas é o que estamos fazendo com o nosso querido e secular Português. A reação principal é incorporar: o dicionário de língua portuguesa Houaiss acrescentou recentemente covid-19 ao seu léxico, por exemplo, evidenciando que a língua se adapta os desafios da comunicação.
Por isso, não precisamos chegar ao extremo, ocorrido na Câmara de Deputados, quando Aldo Rebelo apresentou o projeto de lei 1676/1999, visando à proteção e defesa do uso do idioma pátrio. A língua portuguesa tem história e sabe se defender, recuperando suas tradições e incorporando as criações de outras. Tanto os estrangeirismos quanto os neologismos (como “deletou”) ocorrem em praticamente todas as línguas modernas, em maior ou menor grau.
Mateus Araújo ouviu a professora e analista de discurso Rita Kramer, doutora em linguística pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), que observou: “É comum o surgimento de novas palavras e termos (ou adaptações deles) no momento em que lidamos com algo desconhecido, como a crise sanitária. Quando há um fenômeno para o qual não temos vocabulário, porque ele ainda não foi pensado na nossa cultura, a tendência é buscar referência em quem já pensou sobre aquilo. Quem tem poder em determinada área vai fornecer um vocabulário maior. É o exemplo da França com o vocabulário gastronômico ou os Estados Unidos com o vocabulário tecnológico. Como o Brasil não exporta as ideologias dominantes do mundo globalizado, as palavras brasileiras não vão ter a mesma penetração nas outras línguas”.
Assim, a professora direcionou bem o debate: “Vale muito mais a pena a gente olhar essas palavras como materialização simbólica dessa colonização e estudar esse contexto através delas. Esse é um posicionamento mais interessante para a gente enquanto cidadão, pesquisador, linguista. Porque não se combate o rio que corre pro mar”. E ponto final.