“Fiz ranger as folhas de jornal”, disse o poeta

Capa do livro A alma encantadora das ruas.

Luiz Gonzaga Neto

E o poema continuava: “… abrindo-lhes as pálpebras piscantes”. O poeta é Vladimir Maiakóvski (1893-1930). Ele fala de uma época semelhante à nossa: as fronteiras estão distantes; o cheiro de pólvora ou tiro nos acompanha até em casa; há um certo tédio no ar, mesmo no rugir das tempestades. E termina perguntando: por que estaríamos alegres?
Pois é, a pandemia se arrasta, mesmo com a esperança de vacina. O amargor é político e existencial. Rimos, mas os motivos para alegria se desvaneceram. O humor é a ferramenta que o brasileiro médio utiliza para “castigar” os maus políticos e os poderosos que pensam controlar o mundo. Espantamos assim a tristeza e aquela teimosa melancolia.
Lendo um artigo de João do Rio, escrito no início do século XX e reunido no volume “A Alma Encantadora das Ruas” (Companhia de Bolso), constatamos que não dá para confiar nem nos mendigos, que se tornaram cínicos e críticos, principalmente nas ruas das grandes cidades. Há pessoas de nível médio que insistem em ser mendigos – pedem empregos, jogam com suas habilidades ilícitas, são pidões vira-casacas que, lá na frente, vão falar mal daqueles que os beneficiaram. Isso é história ou previsão? A escolha é por conta do leitor.
Não sejamos amargos, mesmo que as notícias nos entristeçam nas noites de segunda-feira. Ler bons textos sempre nos alegram, assim como canções que acendem nosso amor. “Neste Brasil, vemos se confundirem, em nome do liberalismo, brutalidade com liberdade de expressão, predação com livre mercado”, diz Monica de Bolle em artigo para a revista “Quatro Cinco Um”.
A revista Piauí contou como os agentes da ditadura brasileira atuaram nos porões da tortura de Pinochet. Nestas semanas, acompanho as excelentes matérias da BBC News, do Nexo Jornal, da revista Gama e do El País. A vida melhorou ou piorou para quem vive como o cronista Rubem Braga, entre o lírico, o trágico, o indignado, o descrente e o entusiasmado? Por incrível que pareça, com quatro décadas de profissão e quase sete de vida, não perdi a esperança nem a disposição para rir. Os amigos, os amores, os bons livros não deixam. Graças a Deus!