O poeta não cala diante do ódio que silencia

Luis Gonzaga Neto

O título não foi uma inspiração repentina, caro leitor. Vem de uma música que, recentemente, Antônio Nóbrega e Mônica Salmaso, dois expoentes da música popular, compartilharam em vídeo, uma das muitas pérolas destes tempos de pandemia. Como vou fazer 66 anos neste outubro, estou com meu “eu lírico”, como diziam velhos críticos de literatura, à flor da pele.
Tirando a brincadeira e a motivação que move um poeta verdadeiro, aquele que atravessa uma noite de frio ou chuva para encontrar a musa na janela, a poesia surgiu como tema ligado ao evento Fronteiras do Pensamento 2020. Em duas divulgações, deparei-me com o título referente ao escritor moçambicano Mia Couto: “Fernando Pessoa foi meu terapeuta”.
Puxa, minha vida é muito comum, mas tive alguns momentos desse tipo de experiência. Lendo grandes poetas, atravessei madrugadas de angústia, tristeza e depressão, especialmente naquela primeira juventude, logo após a adolescência. Sim, fui um jovem sem graça; o adulto melhorou um bocadinho. No meio do caminho, havia uma pedra: a infância se foi e ficou uma extrema desconfiança dos semelhantes, a consciência aguda da falsidade social e da desigualdade.
Como colocar o inconformismo naquela época de ditadura, de ódio no ar? Conversando com amigos que gostavam de literatura e afins. Eu tinha vontade de ser inteligente e por isso me associei àqueles caras que respiravam USP e PUC. Mora na filosofia? Morou Maria? Pois é, fiz essa viagem no tempo, voltando à Capital nos anos 70 e 80, lendo o release do Fronteiras do Pensamento.
O escritor Mia Couto lembra a sapiência da África: “A literatura me salvou. O que me salvou, de fato, foi a poesia. A escola onde estudei era uma coisa muito cinzenta. O que aprendi na escola foi a escapar, a não estar onde eu estava. E eu lia Fernando Pessoa, que foi meu terapeuta. Aquela poesia, que dizia ‘ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, realizar em si toda a humanidade de todos os momentos’, me salvou”.
E Pessoa salvou o mundo: “Sentir tudo de todas as maneiras,/Viver tudo de todos os lados,/Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,/Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos /Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo”. Pois o poeta não cala nem diante do ódio que silencia.