Duo Pé de Pássaro mostra pesquisa multicultural e multiétnica

A noite de verão estava fria, com vento, na praça da Matriz, naquele 2 de fevereiro. Mas os corações e as mentes do público ficaram encantados com as cores, o cenário, as vozes e os instrumentos de “Sabiazeiro”. O show do Duo Pé de Pássaro, formado por Isadora Títto (Atibaia) e Renato Torres (Belém), comprovou o amadurecimento desse trabalho de dez anos, que ganhou com a participação da matriarca e professora Ísis Gonçalves e da diretora de teatro Silvia Mazulo. A geografia não afastou; pelo contrário, aproximou e enfatizou a sintonia entre os dois artistas. Ficou claro porque “sabiazeiro é uma árvore cujo fruto é um passarinho – um sabiá cantor”.

As tradições reunidas na apresentação incluíram o folclore, a MPB, o teatro, o circo, a crítica social suave, textual e incisiva. Diversas cidades brasileiras foram agraciadas com o espetáculo, que tem ênfase em harmonias vocais. Arranjos, letras e melodias buscam a integridade do Brasil profundo, não apenas circunscrita aos aspectos multicultural e multiétnico, mas também comprometida com a distinção única da poesia cancional brasileira, marca e reconhecimento do povo nos quatro cantos do planeta.

Como o jornal O Atibaiense já publicou, a música mineira do Clube da Esquina, somada às tradições folclóricas do interior paulista e da Amazônia urbana, funciona como espécie de farol referencial para o duo, que traz, além de tudo isso, densa experiência com o gestual, a coreografia, a dramatização. São performances ao vivo, esses chamados voos. “Sabiazeiro” referenda o próprio ethos metalinguístico do projeto, que já produziu registros fonográficos e traduz no ato de cantar a própria transgressão gravitacional do voo para nós, humanos. Também reafirma o espaço de encantamento da poesia – não apenas a escrita, expressa em suas letras, mas principalmente aquilo que humaniza.

As canções do repertório esquadrinham linhas migratórias traçadas ao longo dos anos, com pungência etnopolítica, animismos misteriosamente proféticos, intenções estéticas descritas aqui e ali e muita entrega ancestral. Tudo em “Sabiazeiro” confirma o lugar feito de lonjuras percorridas depois das quais Isadora e Renato podem contar com suas criações muito da genealogia de seus voos. Em torno das vozes e seus entrelaçamentos melódicos, um instrumental que privilegia a textura acústica. E está completo o trabalho fascinante.