Automóvel e cinema em Jarinu

O artigo também revelava o uso do cinema como importante ferramenta de divulgação. No artigo sabemos que havia duas estradas para se chegar até lá, e a escolha foi pela “estrada velha”, passando pelos bairros de Caetetuba e Brotas.

Márcio Zago

Em 1928, o jornal “O Atibaiense” publicou em sua página inicial um longo artigo com o título “Um passeio a Jarinu”, lembrando que até aquele momento Jarinu ainda era distrito de Atibaia. O curioso artigo era uma clara “propaganda” da indústria automobilística, onde o carro ganhava uma importância cada vez maior no cotidiano das cidades. O artigo também revelava o uso do cinema como importante ferramenta de divulgação. No artigo sabemos que havia duas estradas para se chegar até lá, e a escolha foi pela “estrada velha”, passando pelos bairros de Caetetuba e Brotas. Em formato de crônica, o texto descrevia o percurso entre as duas localidades, chamando a atenção para a precariedade das estradas da época e as dificuldades vividas pelos passageiros naquela estrada tão inadequada aos veículos motorizados, não poupando críticas ferrenhas aos engenheiros que a construíram.
A palavra “Chevrolet” aparecia várias vezes, deixando clara a qualidade do automóvel para suplantar os percalços do caminho. No texto apócrifo, narrado na primeira pessoa, um dos personagens era tratado como “interessado”, e sua função era levar um filme para ser exibido em Jarinu. A fita mostrava a construção de um novo modelo de automóvel Ford. Embora se trate de uma propaganda subliminar, uma jogada de marketing, o artigo é revelador e muito interessante ao descrever as pessoas, os lugares e as situações da época. Depois da epopeia inicial, dedicada ao percurso pela estrada esburacada, o narrador escreve: “Em breve alcançamos Campo Largo na sua calma domingueira, com seus moradores jogando malha ao sol.
O ‘interessado’ começou a entrega dos seus programas. Nos olhos dos campo-larguenses chispavam curiosidades – Seriam anúncios de cavalinhos? (cavalinhos é como chamavam o circo na época). Mas logo o seu desejo foi atendido com o reclame oral do ‘interessado’: – Vocês hoje vão a Jarinu ver a fita do novo carro Ford… Não percam! É sensacional!”. O artigo do jornal era longo e descrevia os contatos estabelecidos entre o “interessado” e alguns personagens do local, como o barbeiro, o vice-prefeito, o sapateiro, o comerciante e demais moradores, sempre com o propósito de entregar os panfletos anunciando a exibição da fita para logo mais à noite.
Por fim, chegaram a Jarinu: “À entrada, deparamos com a construção que ficou suspensa por falta de verba, da Igreja do Rosário. É pequenina, com torre central e foi mandada construir pelo padre Deusdedit (Os moradores têm uma verdadeira adoração por aquele religioso). Percorremos depois a rua que vai da Igrejinha ao Largo da Matriz. É a artéria principal. Nela estão situados: o cinema, a farmácia, a barbearia, etc., além do armazém do Sr. Guilherme Zamboto, onde paramos. (…) Jarinu possui seus quinhentos habitantes, informações segundo o Sr. Zambotto. Há prédios bons no Largo da matriz e rua.
O elemento que predomina na vila é o italiano. E isso é uma boa recomendação…” Depois de várias passagens interessantes, com descrições da arquitetura e de situações irônicas em alguns momentos, o artigo finalizava com a descrição da exibição do filme, que ocorreu no Cine Gabriel D’Annunzio: “O cinema funciona no prédio da Sociedade Italiana Jarinuense, com jardim gradeado. O salão de exibição comporta duzentos espectadores com suas cento e oitenta cadeiras e mais as arquibancadas que ladeiam a entrada, que é central. Findo o cinema, dirigimo-nos à farmácia do Sr. Juvenal Fonseca, onde nos serviu amistosamente um profuso café. Despedimo-nos, deixando Jarinu com seus amáveis acolhedores, prometendo a nós mesmos voltarmos àquela terrinha hospitaleira e próspera.” Se alguém comprou um Ford Chevrolet em Jarinu, não sei.