E o rádio chegou a Perdões

Márcio Zago

Em 1925, o jornal O Atibaiense publicou uma interessante matéria com o título “De Buenos Aires e do Rio de Janeiro a Perdões”. Nela, o autor dava seu relato sobre a primeira transmissão radiofônica ocorrida na cidade de Perdões, e talvez na região. Lembrando que o rádio tinha chegado ao Brasil somente três anos antes, quando ocorreu a primeira demonstração experimental de radiofonia durante a exposição do centenário da Independência de 1922, no Rio de Janeiro.
Anos depois, Edgard Roquette-Pinto, pioneiro da radiofonia nacional, assim recordaria essa fase: “… pouca gente se interessou (pela transmissão). Creio que a causa principal desse desinteresse foram os alto-falantes instalados na exposição. Ouvindo discursos e músicas reproduzidos, no meio de um barulho infernal, tudo roufenho, distorcido, arranhando os ouvidos, era uma curiosidade sem maiores consequências. (…)”. Apesar da frustração inicial, o rádio ganharia pouco tempo depois uma importância incomensurável para todos os brasileiros. A qualidade ruim da transmissão também foi observada pelo cronista de Perdões ao se referir à experiência vivida durante as três noites em que um receptor radiofônico ficou à disposição de alguns seletos ouvintes. Segundo ele, essa oportunidade histórica ocorreu durante a festa em Louvor a Bom Jesus dos Perdões, uma das festas religiosas mais tradicionais da cidade.
Naquela época, Perdões mantinha forte tradição religiosa devido ao Santuário mantido pelos padres Redentoristas e à presença de devotos, que chegavam em grandes romarias, era comum. No texto do Atibaiense, o privilegiado ouvinte informava: “Enquanto aquela multidão de mascates, ciganos, garotos ‘águia’ e fiéis romeiros torvelinhavam em torno do velho santuário, nós, em religioso silêncio, nos reuníamos numa casita ali mesmo, na boca do formigueiro, e tocávamos a ouvir, ou melhor, a escutar atenta e devotamente o que o Rádio nos trazia da Praia Vermelha e do Hotel Central do Rio de Janeiro.
Eram bonitas peças musicais intercaladas com anúncios feitos por um senhor de voz grossa, compassada, que nos dava conselhos de higiene e indicava as melhores casas em que devíamos fazer as nossas compras…”. Na sequência do texto, o escritor conta ter ouvido uma ópera diretamente do Teatro Colón, de Buenos Aires, e se mostra maravilhado com o novo invento. Relembra ainda o dia em que ouviu pela primeira vez o som emitido por um gramofone, também em Perdões.
Segundo ele, vinte e cinco anos foram suficientes para o gramofone deixar os ruídos iniciais para se tornar um “aparelho que incomoda até os vizinhos” e conclui: “Pode ser que em igual espaço de tempo, e quem sabe se até em muito menos, a radio-telefonia faça o mesmo, e então já não será preciso que os curiosos se reúnam, numa salinha, de vidraças descidas e portas fechadas para ouvirem o que se passa longe. Então sim é que há de ser um gosto: no apogeu da terra da festa, lá mesmo em Perdões, entre aqueles cardumes que se arrastam pesadamente em volta da igreja, ao som de gaitas, das bexiguinhas e pregões de turcos mascates, poder-se-á estar no apogeu da sabedoria, da civilização, lá bem em cima, no ar, a ouvir e, quem sabe, até ver o que vai por esse mundo do meu Santo Breve da Marca.
Enquanto isso contentemo-nos com o que há, que já é muito, porque, a falar a verdade, uma audição de coisas da nossa capital em Perdões já não é pouco.” E assim o privilegiado e maravilhado ouvinte conclui ironicamente o seu texto: Por hora só nos resta pedir, de mãozinha posta, que a Morte não nos mate já, nem logo, e sirva-se de nos dar tempo suficiente para ouvirmos e vermos, com os nossos ouvidos e com os nossos próprios olhos, todas essas maravilhas maravilhosíssimas de nossos dias”.