Quermesse no cinema, uma novidade

Embora a quermesse não fosse novidade, esta foi a primeira vez que ela ocorreu em um espaço fechado.

Márcio Zago

Embora o cinema fosse um sucesso no início do século XX, manter as casas de espetáculos em uma pequena cidade do interior não era tarefa fácil. Em Atibaia, os empresários locais se esforçavam para recuperar seus investimentos em uma área promissora, mas ainda incipiente. A intenção era sempre manteruma “enchente a cunha”, termo que utilizavam na época para designar “casa cheia”… E para isso valia tudo. Em 1913, o empresário Deoclides Freire, do Pavilhão Recreio Cinema, teve uma ideia inovadora para aumentar seus ganhos: ceder seu cinema para a promoção de uma grande quermesse em benefício da Santa Casa de Misericórdia e da Igreja da Matriz.
Embora a quermesse não fosse novidade, esta foi a primeira vez que ela ocorreu em um espaço fechado. Entre os organizadores estavam o padre Juvenal de Toledo Kohly e membros proeminentes da sociedade local, como Juvenal Alvim, Benedito de Almeida Bueno, Florêncio Pires de Camargo, Manuel de Toledo e Horácio Neto.
O cinema foi totalmente adaptado para o evento, com barracas para vendas de salgados, guloseimas e outros produtos. Foi melhorado também a infraestrutura de palco para acolher apresentações teatrais, recitais de piano, declamações de poesias e projeções cinematográficas, tudo anunciado com grande estilo. O evento durou três dias e atingiu os resultados esperados. Em novembro de 1913, o jornal “O Atibaiense” publicou a prestação de contas do evento. A receita incluía a venda de ingressos, além das arrecadações com as barracas “Deus” e “Pátria”. As despesas foram para afinadores de piano, enfeites do Pavilhão, sorvetes, chocolates, cervejas, uvas passas, pastéis, serviços de operários, ajudantes, vestidos para as representações, fogos de artifício, etc. No total, foi levantado o valor de 1:205$700.
A matéria do jornal concluía: “Sendo esta a primeira festa deste gênero posta em execução, mais para experiência do que para lucro, é consolador o resultado obtido. Cabe, pois a cada instituição a quantia de 602&850. O Vigário pede que sejamos o interprete dos seus maiores agradecimentos à comissão executiva do programa e a todos que se dignaram concorrer para o brilhantismo da festa”. No outro cinema da cidade, o Palace Teatro, também ocorreuuma atração extra na mesma época visando atrair o público.
Em dezembro de 1913, o cinema abrigou um evento em benefício das obras da Igreja do Rosário. O pianista João de Souza Lima, de apenas 15 anos, impressionou o público presente com seu desempenhoe recebeu intensos elogios do padre Juvenal de Toledo Kohly. Mais tarde, João de Souza Lima se tornaria um dos grandes pianistas brasileiros, deixando sua marca na história da música instrumental brasileira. A organização do evento ficou a cargo do professor Miguel Arruda, Florêncio Pires de Camargo e outros membros da sociedade local. Várias senhoras e senhoritas da burguesia local ajudaram nos enfeites do Palace Teatro e na venda de ingressos, incluindo Anna e Conceição Urioste, Ernestina Alvim e Cristina Ferraz.Embora os empresários locais se esforçassem para variar as atrações e atrair o público, as películas ainda eram as grandes estrelas das casas de espetáculos.
Com isso os seletos”habitués” tiveram a oportunidadede assistir as mais importantes fitasdo período como “Quo Vadis”, “Os Miseráveis”, “O Naufrágio do Titanic”, “Branco contra Preto”, “Marco Antônio &Cleopatra”, “Fantomas”, “Sherlock Holmes”, dentre outrosclássicos do cinema mudo. Filmes que ajudaram a moldar o gosto e a paixão do público localpelos encantos da sétima arte.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.