O rigor da lei no carnaval de 1912

Marcio Zago*

O carnaval atibaiano de 1912 foi marcado por ações restritivas e punitivas, muito mais que a alegria e descontração característica da festa. Época de moral rígida, de regras inflexíveis e cerceamento social que, como não poderia deixar de ser, repercutiatambém no carnaval. Principalmente sobre jovens e crianças. As brincadeiras de entrudo, que incluíam as bisnagas de taquara e as laranjinhas, incomodavam bastante os adultos daquele tempo. A ponto do jornal “O Atibaiense” publicar a seguinte matéria a pedido de um leitor anônimo: “Chamamos a atenção do digno Dr. Delegado para o desenfreado brinquedo de entrudo ”moderno” e estúpido promovido por enorme malta de meninos e mesmo adolescentes que todas as noites estão postadas em vários pontos das ruas José Alvim e José Lucas, atacando famílias e crianças com água suja de enxurradas, com laranjinhas e seringas taquara que enchem nos chafarizes da rua.
A noite é impossível qualquer família mandar suas filhas, criadas ou famulas a fazer algumas compras naqueles lugares onde se reúnem a garotada, pois regressam para casa em triste estado molhadas de lama e agua. Onde estamos? No sertão! (…) É de acertada providência a digna autoridade mandar patrulhar as ruas por praças (soldados) a paisana munidos de varas de marmeleiro dissolvendo esses ajuntamentos com o competente corretivo bem aplicado, não olhando para este ou aquele menino, filho de quem quer que seja (…)”.As reclamações sobre as brincadeiras de entrudo já ocorriam há mais de uma década.
Em todos os carnavais anteriores, a reclamação era a mesma, mas em 1912 o queixume surtiu efeito. Em fevereiro foi divulgado a notificação do Delegado de Policia:“(…) fica expressamente proibido o jogo de entrudo sendo apreendidos todos os objetos que para esse fim se destinar, tais como: laranjinhas, bisnagas, etc. Incorrendo os infratores em multa de 5$000 (…)”. Os jovens e as crianças daquele tempo sofriam pressõesconstantes, e por razões as mais diversas, como entrar sem roupas nos rios e córregos da cidade, fazer barulho excessivo em frente às casas comerciais, fazer guerras de mamona. Tudo era motivo para as “punições exemplares”. Em 1912, além dos jovens e das crianças, os adultos também sofreram restrições, como atesta uma nota publicada no jornal “O Atibaiense” que estabelecia pela primeira vez as regras para brincar o carnaval. Regras que nunca mais deixaram de existir: “O Bacharel Augusto Monteiro de Abreu, delegado de policia de Atibaia, faz saber que de acordo com as instruções da Secretaria da Segurança Pública e disposições do Código de Posturas Municipais, adiante os festejos carnavalescos nesta cidade, nenhum préstito, fantasiado ou não, poderá sairà rua sem a prévia autorização desta delegacia, a qual não permitirá a exibição daqueles que forem ofensivos a quem quer que seja.
Outrossim, toda pessoa que quiser apresentar-se em público fantasiado necessita de licença escrita desta delegacia. Os infratores das disposições deste edital serão presos em flagrante, processados e punidos de acordo com a lei (…)”. E assim, ano a ano, o carnaval foi perdendo sua espontaneidade original e ganhando normas e preceitos cada vez mais rígidos, que fatalmente o distanciaram de suas raízes.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.