O luto é a mediação interna entre consciente e inconsciente

Recentemente, tivemos mortes na comunidade de Atibaia que abalaram muitas pessoas, para além do círculo restrito de familiares e amigos. Hoje, até mesmo na internet, existem aconselhamentos sobre como lidar com o luto, uma prática de mediação interna entre consciente e inconsciente, passado e presente. Refletindo sobre o luto e os múltiplos significados da dor decorrente da perda de pessoas próximas, o poeta Fabrício Carpinejar afirmou: “No luto não dói apenas o passado, mas futuro que não ocorreu”.
O sentimento motivou o poeta a lançar seu “Manual do luto”: “No luto, ninguém aguenta sua tristeza, a sua falta de vontade. Nem passou um mês da perda e os amigos já querem que você saia. Já querem que você converse animadamente. Já querem o seu riso de volta. Não entendem o processo. Não respeitam a solidão”.
O psicanalista Christian Dunker aponta que “o luto é paradigma para pensar a experiência humana da perda”. Segundo ele, “o que mais você escuta é que deve seguir adiante. Para onde? Se os olhos estão voltados para o passado, para a saudade, para entender o que aconteceu. Não tem como tratar a morte de um ente querido como se fosse um simples aborrecimento. Nossa vida não é mais a mesma, não tem como seguir como era antes. Quando morre quem você ama, quem você era morre junto. Já é uma outra pessoa. Nem você mais se conhece”.
No luto, revela-se a mentira social de que as pessoas se habituam com a dor. Na verdade, a saudade fica cada vez mais profunda. O sofrimento de um mês da perda não muda depois de cinco anos; você vai percebendo, talvez aceitando, que a falta do ente querido é irreversível. Vamos ouvir: “O enlutado perdeu a vontade de espiar cotidianos, de olhar para o dia a dia com ternura. A memória de tudo o que foi feito ao lado de quem partiu se mistura à fantasia do que poderia ter acontecido. São aniversários imaginados, comemorados sem torta, mas com flores no cemitério”.
Só a poesia para aliviar e acolher nossos corações enlutados: você cuida do canteiro estreito de uma lápide por não poder mais cuidar da extensão infinita de uma vida. “A morte desconstrói as nossas crenças, as nossas certezas, as nossas convicções. Você deixou de existir para alguém. E essa pessoa continua cada vez mais viva dentro de você”, apontou Carpinejar.
O poeta já havia explicado que o luto não é uma doença. É o sofrimento da saudade. Falando diretamente ao enlutado, cada capítulo é uma carta, e cada carta, uma lição de empatia. São abordadas as dores que decorrem das inevitáveis perdas que atravessam a existência: dos pais, de um amigo, de um irmão, de um filho, de um marido ou esposa. Compara o luto a um trabalho incansável de poda da memória, de faxina existencial, em que toda despedida seria o equivalente a herdar um terreno para construir uma casa no local. Que as famílias de Atibaia possam digerir bem o luto, preservando seu significado e guardando as boas memórias de quem se foi.