Choque de civilizações, fim da história ou retrocesso da humanidade?

É claro que a guerra, seu debate ético, nos afetou a todos neste Ano da Graça de 2023. Dois conflitos no planeta – Ucrânia-Rússia e Hamas-Israel – tomam conta das manchetes e de nossas cabeças, já desgastadas com a pandemia de 2020-22. Com a violência urbana do Brasil, sempre midiática e retroalimentadora, ficamos diante de mais retrocesso da humanidade. O que fazer?
Choque de civilizações ou fim da história foram modismos “intelectuais”, que não sei se chegaram até Atibaia, nosso interior mais do que razoável, tanto política quanto economicamente. Tento encontrar chaves que nos expliquem e resgatem o sentido de comunidade, de conversa amena e democrática sobre temas controversos e avanços inegáveis da cultura. A impressão é de que a cultura avança mais que os demais setores na compreensão dos cenários e na tomada de posição. Neste ano, procurei refúgio em dois livros: “Mitologia dos Orixás”, que me foi emprestado pelo amigo Villaça Villa, e “Um Ano Sísifo”, do grande Edgar Morin, exemplar que adquiri no Sesc da Paulista.
São livros-companheiros que nos ajudam na travessia do mundo. Se seu espírito tende a se estressar, é só tomar um dose apenas dessas narrativas e pensamentos. Você constatará o resultado imediato. Em “Mitologia dos Orixás”, o sociólogo Reginaldo Prandi reuniu mitos da religião de matriz africana. Ao narrar histórias de deuses como Exu, Ogum, Iemanjá e Iansã, chama a nossa atenção para sentidos vitais profundos e nos aproxima do vasto patrimônio cultural dos iorubás ou nagôs.
São 301 relatos mitológicos, histórias que contam, por meio de imagens concretas, como são, o que fazem, o que querem e o que prometem os deuses do riquíssimo panteão africano que sobreviveu e prosperou em países da América – em particular no Brasil e em Cuba – e que nos últimos anos é exportado para a Europa.
Na sociedade tradicional dos iorubás, é pelo mito que se alcança o passado, se interpreta o presente e se prediz o futuro. Cada mito é uma surpresa sempre renovada, um segredo revelado que jamais se deixa desvendar completamente. São sentidos vitais profundos, alicerce do vasto patrimônio cultural da negritude. “Um Ano Sísifo” vou deixar para uma próxima coluna.