Banda musical, a trilha sonora de uma época

Márcio Zago

Do final do século XIX às primeiras décadas do século XX as bandas, ou corporações musicais, desempenharam um papel fundamental no cotidiano das cidades do interior. Em Atibaia e região, essa tradição não foi exceção; a presença de uma banda era praticamente indispensável em qualquer evento de caráter cívico, religioso ou popular, permeando espetáculos teatrais, salas musicais, salões de baile, coretos, procissões e inaugurações. A importância das bandas era tão marcante que foram elas as primeiras manifestações culturais a receber apoio financeiro institucionalizado em Atibaia. Já em 1909, a Câmara Municipal alocava recursos para remunerar as apresentações musicais no município, uma prática que se manteve frequente até 1929.
Essa preferência tinha uma explicação. Na época não havia recursos tecnológicos para a reprodução musical (o rádio só ganhou popularidade a partir de 1930), portanto, para obter acompanhamento musical nos eventos sociais, só com músicos ao vivo. A potência sonora desses conjuntos, sua formação instrumental variada, a diversidade do repertório e principalmente a mobilidade das apresentações tornaram as bandas presenças obrigatórias nas celebrações e festividades da época, personalizando a trilha sonora de uma era. Um bom exemplo da importância que elas tiveram como complemento para as celebrações sociais foi por ocasião da inauguração da luz elétrica em Jarinu, no início de 1926.
Jarinu era vinculada a Atibaia, ganhando sua emancipação política-administrativa somente em 1949. O evento de inauguração ocorreu no salão da Sociedade Italiana Gabriel D’Annunzio, um espaço que abrigava inúmeras ações de cunho social, político e cultural. Na solenidade, havia as autoridades políticas e religiosas da região que apresentaram longos discursos enaltecendo aquele momento histórico para a localidade.
Ao final, a Banda Contesini apresentou pela primeira vez um lindo dobrado intitulado “A Inauguração da Luz Elétrica em Jarinu”, de autoria do maestro Carlos Contesini. A música, composta especialmente para aquela situação, fez grande sucesso e ficou associada para sempre a um dos momentos mais marcantes da localidade, quando as luzes artificiais iluminaram pela primeira vez o pequeno bairro de Jarinu.
Esse fato demonstra o poder da subjetividade da música sobre a racionalidade das palavras. Fechando a cerimônia, foi executada outra música pela Banda Contesini, dessa vez o Hino Nacional, regida pelo maestro Genésio. Carlos e Genésio Contesini eram irmãos e foram os grandes responsáveis pelo desenvolvimento da música em Jarinu. Com a evolução da indústria fonográfica, seguida pela expansão da radiofonia e de um novo circuito musical e de entretenimento, as bandas musicais perderam muito sua importância. Mesmo assim, existem inúmeras cidades que felizmente conservam suas bandas em atividades, caso de Atibaia e a Corporação Musical 24 de Outubro.
Em muitas cidades do interior, são elas as únicas organizações que trabalham na formação musical, propiciando um necessário ambiente de troca e aperfeiçoamento na área, além de cumprir um importante papel na conservação da memória dos músicos e instrumentistas locais.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.