Carnaval de 1942 em Atibaia
A Mulher do Leiteiro, LéroLéro e Nós, os Carecas — esta última, composta por Arlindo Marques Jr. e Roberto Roberti, acabaria se tornando um clássico do carnaval brasileiro.
Márcio Zago
Assim como nos anos anteriores, naquele distante carnaval de 1942 o jornal O Atibaiense procurava preparar o espírito festivo da população, publicando com antecedência as letras das marchinhas que já faziam sucesso entre os foliões, graças às ondas do rádio. Naquele ano, foi a vez de A Mulher do Padeiro, A Mulher do Leiteiro, LéroLéro e Nós, os Carecas — esta última, composta por Arlindo Marques Jr. e Roberto Roberti, acabaria se tornando um clássico do carnaval brasileiro. A popularidade da marchinha inspirou a criação do bloco local Os Carecas, formado por associados do São João Futebol Clube.
O outro bloco, o já veterano Batuta de Ouro, além de apresentar as marchinhas que o público conhecia de outros carnavais, trouxe uma novidade: a inédita “A Catinga de Cebola”, criação do músico local Pedro Cerbino. A letrairreverente para a época e politicamente incorretana atualidade, dizia: “Eu sou criola, ô ô ! / Eu sou criola, ô ô ! / Eu sou criola / Sem catinga de cebola / Todo dia tomo / Banho na piscina / E quando chega / As quatro e tanto / Passo álcool e gasolina / Mariazinha! / Vem entrar no meu cordão / Aceito preta, aceito branca / Até granfina de porão / Vim da Bahia /Da cidade de Bonfim / Meu cabelo não é liso / Nem também é pixaim… / Mas, nesta confusão do carnaval / Pula preta, pula branca”.Sobre o tradicional Zé Pereira, nenhuma nota foi publicada naquele ano.Nos clubes, o Recreativo foi destaque ao inaugurar um novo “jazz” — como eram chamados os conjuntos musicais da época — considerado o melhor do carnaval.
O salão, ricamente ornamentado, recebeu “muita gente de fora, dando-nos a impressão de um carnaval santista ou paulistano”, segundo o jornal. Na sede do São João, os bailes aconteceram normalmente, graças ao esforço dos associados, que não mediram esforços para deixar tudo pronto após o incêndio ocorrido meses antes. Já na sede do CETEBE, o salão todo decorado foi animado pelo jazz de Pedro Cerbino e pela voz do cantor Eli Doruj, que se encontrava na cidade. As crianças também não foram esquecidas: puderam se divertir nas matinês especialmente preparadas para elas.
Passado o carnaval, como que numa tentativa de redimir o espírito mais lascivo do reinado de Momo, O Atibaiense publicou um poema de forte tom moralizador — um verdadeiro anticlímax da folia. Trata-se de “Carnaval”, de Elias Lacerda: “Grito, confete, lança-perfume e serpentina… / É o que reside em cada peito, em cada coração; / Gargalhada, embriagues e vicio em cada esquina, / Roubando da mocidade o uso da razão!… / A jovem mais bela de educação mais fina, / Vai alegre abraçar o moço e baila no salão; / Bebe, grita e fala palavra libertina, / Embriaga-se, cai e vai rolando pelo chão!… / Passa o carnaval, passa a festa e fica a semente / Lançada no coração, por esse monstro do mal, / Desviando a criatura, ainda a mais inocente… / Eternizando de Momo o reinado fatal, / Muitas famílias hão de chorar amargamente / As dores produzidas pelo carnaval.”
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.