Feitiçarias, curandeiros, benzedeiras e a saúde em Atibaia no início do século XX

Márcio Zago

O primeiro e único hospital público de Atibaia, a Santa Casa de Misericórdia, recebeu seu primeiro paciente em 1915. Antes disso, os doentes que tinham melhores condições financeiras recorriam aos médicos locais, como Miguel Vairo e Olímpio da Paixão. Outra opção era procurar diretamente as farmácias existentes. Sabe-se queAtibaia possuía duas farmácias em 1902, a do Capitão Benedito do Carmo e Silva e a de Eugênio de Almeida. Os mais abastados,quando acometidos de doenças graves, buscavam tratamentos médicos em cidades maiores.Quanto à população pobre, embora contasse esporadicamente com a ajuda de alguns médicos mais caridosos, a grande maioria era obrigada a recorrer a métodos mais intuitivos.O curandeirismo, o benzimento e até a feitiçaria eram práticas comuns naquele tempo e tinham a função de curar o corpo e o espírito por meio de plantas, raízes e rituais específicos.Os que conseguiam mitigar a dor dos mais pobres gozavam de grande prestígio social.

 

 

É o caso do velho maestro Antônio da Fonseca Ramos, pai do músico Juvêncio da Fonseca. Falecido em 1916 o mestre Fonseca, como era chamado, exercia a função de sacristão do Padre Abel, além de músico fundador da Banda 24 de Maio e do coral da igreja da matriz. Em sua casa, no Largo do Mercado, ele recebia inúmeros romeiros que buscavam seus conhecimentos homeopáticos, principalmente ligados à pediatria. Já os curandeiros e feiticeiros eram veementemente rechaçados, principalmente pela imprensa local. É o que atesta as várias matérias do jornal “O Atibaiense”. Logo em 1903uma delas informava: “Consta-nos que no Bom Despacho, está clinicando um celebérrimo curandeiro que esta fazendo prodígios. Já tirou, há poucos dias, 6 vinténs do estômago de um cliente. Consta mais, que fez uma mulher velha vomitar uma trança de cabelos juntamente com algumas minhocas. Cadeia com ele Sr. Delegado de Polícia”. Ou então este artigo intitulado Feiticeiro: “Consta-nos que neste município existe grande malta desses exploradores de beócios e envenenadores da humanidade. Sabemos que no bairro do Portão reside o celebérrimo José Luiz que atemoriza seus clientes com façanhas e magias. Contaram-nos há poucos dias que uma mulher de cor, chegara-se a esse adepto de São Cipriano queixando-se de fortes dores intestinais, e esse malandro preparou um banho, mandando que sua cliente nele se assentasse alguns momentos. O feiticeiro queimou palma benta e um pouco de enxofre com breu, enfumando a choupana e quase deixando asfixiada a doente; ordenou em nome das almas e de todos os santos da corte do céu que levantasse e olhasse para a bacia para ver o causador da dor que tanto a molestava. A doente obedeceu e aterrorizada viu um enorme lagarto e uma cabeça de cascavel!!! Não é possível descrever o pânico que causou esses objetos imundos que faziam a enferma tanto sofrer. Depois do curativo terminado, a doente perguntou-lhe quanto devia? Respondeu com arrogância o chefe José Luiz: uma garrafa de pinga e mais quatro patacas!!! É o cumulo da estupidez!! Esperamos que o ativo Sr. Delegado de Policia mande dar caça a esse maganão…”A cura fora da medicina convencional sempre foi motivo de polêmica. De um lado os profundos conhecedores das plantas e das ervase seus comprovados efeitos, de outro os impostores e oportunistas. Entre eles o preconceito contra a medicina alternativa, o interesse da indústria farmacêutica eo descaso com as terapias milenares. Misturadoa tudo isso a fé religiosa, a ingenuidade, as superstições e crendices. Assuntos polêmicos que sempre existiram e, pelo jeito, nunca deixarão de existir. Bom seria queas escolhas entre a medicina convencional e a medicina popular não fosse condicionada somente pela situação financeira do doente, como ocorria naquele distante inicio de século XX.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação
autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.