Baile à Caipira

Márcio Zago

Em junho de 1935, Atibaia celebrou mais uma edição da tradicional festividade em honra ao Divino Espírito Santo. Essa festa deixou de acontecer há muito tempo. A grande inovação daquele ano foi a promoção de um baile diferente nas dependências do Trianon Cinema: Um baile à caipira. Os encontros dançantes já faziam parte da maioria das celebrações que ocorriam na cidade e naquele ano, além do baile no Trianon, estavam programados outros bailes na cidade: no Clube Recreativo, na sede do CETEBE e no Clube São João. Mas, sem dúvida, o Baile à Caipira era o mais esperado.
Dias antes, o jornal “O Atibaiense” anunciou: “E para fechar com chave de ouro a série de bailes das festas joaninas, os festeiros do Divino farão realizar na próxima terça-feira, no Trianon Cinema, o esperado baile à caipira. Aquela antiga casa de diversões está sendo convenientemente adaptada, representando o seu salão como um amplo terreiro, com a fogueira que crepita ao luar, mastro de São João ao centro, ranchos de sapé enfeitados, onde serão servidos aos ‘folgazões’ bebidas e comestíveis próprios de uma festa roceira. Haverá também desafios ao violão, com prêmios para os ‘caipiras’ que mais se destacarem. Será, pois, uma função do sítio, em que os convidados deverão comparecer trajados a caráter.
O baile será animado pela orquestra do Clube Literário, da vizinha cidade de Bragança. Servirá como ingresso o convite distribuído pelos festeiros”. O jornal destacava ainda que a realização do baile à caipira seria inédita em Atibaia, onde “em pleno coração da cidade aconteceria um ambiente legitimamente roceiro”. O termo “caipira”, original da língua Tupi, significa “cortador de mato”, portanto, associado ao ambiente rural, lembrando que naquele período a população urbana era um sexto da população rural, ou seja, o “caipira” era a grande maioria da população atibaiana.
Pela nota do jornal é possível identificar uma distinção entre o povo caipira e a elite urbanizada da época. O fato de o jornal anunciar um “baile à caipira”, e não um “baile caipira”, reforça essa ideia. Era uma maneira de salientar que seus participantes não eram caipiras, estavam apenas trajados como caipiras, fato também esclarecido na matéria do jornal. Para a elite urbanizada da época, a cultura caipira, eminentemente oral, simbolizava o atraso. Seus modos e linguajar simples eram considerados inferiores ao saber erudito que buscavam. O caipira, embora parte integrante da formação cultural do povo paulista, estava distante do ideal europeu que tanto encantava parte da população atibaiana.
Mesmo assim, o baile foi um grande sucesso e, mais tarde, em 1938, outro baile com as mesmas características aconteceu no Rosário-Hotel, o espaço social mais seletivo da época. Desta vez o baile foi direcionado aos associados do Touring Clube do Brasil e demais turistas, principalmente vindos de São Paulo. E novamente o baile à caipira foi um grande sucesso. Apesar do desprezo expresso por parte da população de Atibaia, o caipira (e tudo o que o termo representa) logo foi incorporado como atrativo turístico, associando a palavra à vida no campo, ao sossego, à tranquilidade e à simplicidade do meio rural. Analogia existente até hoje.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.