O cinema local chega aos anos vinte

Desde sua primeira exibição pública na cidade, ocorrida em 5 de julho de 1903, o cinema já convivia há quase duas décadas com a população local, tempo suficiente para que ela assimilasse a linguagem cinematográfica.

Márcio Zago

Com o final da Primeira Guerra Mundial em 1918 e o fim da pandemia causada pela Gripe Espanhola (que terminou um ano depois), o país voltou à normalidade. Em Atibaia, os empresários do Pavilhão Central, o cinema que sobreviveu à crise, passaram a pensar em uma nova tática para atrair a atenção do público consumidor.
Desde sua primeira exibição pública na cidade, ocorrida em 5 de julho de 1903, o cinema já convivia há quase duas décadas com a população local, tempo suficiente para que ela assimilasse a linguagem cinematográfica. Se antes o público era atraído somente pela novidade das “imagens em movimento”, a partir deste período, seus frequentadores já procuravam por conteúdos mais elaborados. Somente as reproduções das cenas da realidade não satisfaziam mais. Eles queriam assistir na tela uma boa história e começavam a escolher os filmes tambémpor seus artistas preferidos.
A ficção ganhou importância e mudou a relação entre o cinema e seu público consumidor, fato que obrigou os empresários a inovar na divulgação. A saída encontrada por eles foi produzir enormes textos falando sobre as fitas que seriam exibidas na tela. Textos quepassaram a ser publicados semanalmente nas páginas dos jornais e que traziam a descrição detalhada de todas as cenas e sequências da fita.
Essa nova prática publicitária só foi possível porque havia uma nova relação entre a linguagem cinematográfica e os consumidores locais, lembrando que o público nessa época já era tratado como “habitués”, um termo francês que vinha da fidelidade e assiduidade com que frequentavam os cinemas.
E não eram somente homens. Em uma crônica intitulada “O Cinema Mudo”, o saudoso memorialista Renato Zanoni assim descreveu aquela época: “(…) A espera da sessão de cinema era uma ocasião muito elegante, uma orquestra apresentava valsas, dobrados e trechos de famosas sinfonias. A exibição era acompanhada de música de piano. Surgiram as vamp ‘s, Nazímova, Pola Negri e ThedaBara. As atrizes foram imitadas em tudo: o corte de cabelo de Clara Bow, os chapéus de LillianGish, os vestidos de sua irmã, Dorothy Gish, e a ousadia dos beijos provocantes de Gloria Swanson. Por isso, era grande o número de mulheres nas sessões de cinema.
De Jarinú, elas vinham de trem e a cavalo. Frequentavam também o cinema de Jundiaí. O beijo no cinema (nos filmes) não podia durar mais que um minuto, mas era o que bastava para excitar as moçoilas. Rod La Rocque foi um dos primeiros galãs a despertar a atenção das mulheres. Nascia Hollywood…” Como se vê, o cinema em Atibaia, assim como no resto do mundo, sobreviveu aos inúmeros percalços e contratempos causados pela crise em razão de seu “glamour”.
Era uma válvula de escape em meio à dura realidade imposta pela vida, firmando-se como um importante espaço cultural, social e de entretenimento da cidade, embora para uma pequena parcela da população. O Pavilhão Central, desde sua fundação em 1911, já havia passado pelas mãos de vários empresários: Deoclides Freire; Capitão Joaquim Florido; a empresa Titarelli& Cunha; a empresa Ferreira, Guimarães &Campanaro (que depois ficou Guilherme &Campanaro)e por fim, fechando a segunda década do século XX, assumiu sua direção o empresário José Preto da Silva. Bastante ligado às ações culturais o Juca Preto, como era conhecido,havia fundado meses antes o jornal Correio de Atibaia e agora se aventurava também no ramo cinematográfico.
Os anos vinte sequer começavam e logo o cinema local receberia inúmeras mudanças técnicas e mesmo na linguagemcom o surgimento do filme colorido e a sincronização sonora. Fatos que iriam sedimentar seu pioneirismo esua importância como a principal atividade cultural daquele início de século XX.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.