Hipnose de mentira

Márcio Zago

Em maio de 1920, o Pavilhão Central foi alvo de duras críticas por parte do público que se sentiu enganado pela programação exibida pela casa. Tudo isso por conta dos Stevenson, um casal de artistas que, em três noites de apresentação, se propuseram a realizar experiências baseadas em sugestões coletivas, tais como: “a transformação da hora” no relógio do público, “um incêndio real de um teatro” e, finalmente, demonstrar sua grande força hipnótica. A hipnose é uma prática milenar e sempre chamou a atenção do público, mas como tudo na vida, há praticantes sérios e outros nem tanto. O atraso inicial do espetáculo foi um enorme incômodo para o público presente, agravado pelo péssimo desempenho do artista como hipnotizador, no qual apenas os “combinados” eram hipnotizados.
A sensação de se sentir enganado revoltou o público presente. Até mesmo os talentos do artista como prestidigitador foram questionados. O evento recebeu uma longa matéria no jornal “O Atibaiense”, na qual o reclamante (que não assinou a matéria) questionava até mesmo as autoridades policiais presentes, que nada fizeram. A resposta veio na edição seguinte, também em uma longa matéria. Nela, o próprio Delegado de Polícia deu suas explicações sobre o fato, em uma espécie de “direito de resposta”. A justificativa apresentada pelo Delegado baseou-se nas leis existentes, com citações detalhadas nos artigos e parágrafos relacionados.
Ele escreveu que o atraso na apresentação contou com sua autorização, devido ao grande número de espectadores que ainda entravam na casa após o término de uma reunião ocorrida no Clube Recreativo. O Delegado também justificou sua interferência para dispersar um grupo de manifestantes que se formava na porta do teatro, com o intuito de difamar o empresário durante sua saída ao final do espetáculo. Por fim, lamentou a matéria publicada anteriormente pelo jornal.
A resposta do jornal também se baseou na Constituição Federal, mas optou-se por uma resposta mais amena, buscando “abafar” o caso. Como se nota, empresariar uma casa de diversões naquele período não era tarefa fácil. Situações como essa obrigavam o empresário a não tomar posições que dividissem ainda mais o já escasso público existente. O mesmo acontecia com o jornal, que também evitava confrontos abertos com qualquer leitor, principalmente se esse leitor estivesse em posição de poder.
O mesmo se aplicava ao próprio Delegado, que, por profissão, tinha o dever de mediar as relações para não se indispor com nenhum representante da elite local. Não podemos esquecer que, naquela época, a população urbana girava em torno de dois mil habitantes, onde todos se conheciam, e o grande desafio era manter uma convivência harmoniosa visando à estabilidade econômica, à paz social e à preservação de suas reputações.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.