O canto lírico de David Brillantini

Márcio Zago

Naquele inicio de século XX a pacata e provinciana Atibaia também teve seus dias de erudição e glória. Em abril de 1918, na residência do Coronel Jacinto Leite aconteceu um incomum concerto com o cantor David Brillantini, um aclamado cantor lírico da época.
O Coronel José Jacinto Leite, segundo o site Atibaiamania, foi tropeiro durante grande parte de sua vida antes de dedicar-se a sua propriedade rural. Na politica ganhou notoriedade atuando no partido conservador na época do Império e com a República no partido democrático. Além do apoio do Coronel, o concerto teve o patrocínio do farmacêutico Orestes Caparica, ex-presidente da Câmara Municipal, além do professor Alves Mourão e da senhorita Maria José Wagner.
Num artigo da época o cantor exaltava as qualidades das amadoras locais que o acompanharam no recital, como a senhorita Alvim, que tocou piano nas musicas “Non Damo Piu”, “Mama Mia”, e “VieniRomanza”. Outra acompanhante foi a senhorita Djanira em “Pescador de Pérolas”, “Stella Confidente, “La Bohême”e “LesSilvaias”. A senhorita Conceição fez uma única apresentação ao pianoao acompanha-lo na música “LasSilvaias”, e por fim a organizadora do encontro, a senhorita Wagner,nas músicas “Rigoletto” e “Tosca”.
A música lírica não era comum em Atibaia. A última apresentação desse gênero tinha ocorrido em 1901, com o Grupo Lyrico Franzoso-Gusso, portanto há bastante tempo. Em qualquer pesquisa na internet o canto lírico sempre surge em oposição ao canto popular. Este último é caracterizado por uma estética mais flutuante, com maior liberdade vocal e interpretativa.
Já no canto lírico se procura por um timbre vocal homogêneo, trabalhado e altamente técnico, que precisa de grande potência vocal para alcançar toda a plateia, mesmo estando ao lado de uma orquestra. Dentro do canto lírico, as classificações das vozes são dividas em: tenor, barítono e baixo (masculinas), soprano, mezzo e contralto (femininas). No evento aqui narrado o cantor David Brillantini pertencia ao grupo dos tenores, e impressionou bastante o público presente na apresentação. Segundo o jornal: “O Sr. Brillantini é um notável artista se apresentando ao público com verdadeira felicidade, mostrando conhecer profundamente a arte lírica, segundo uma perfeita escola técnica vocal, pelo que interpretou fiel e melodiosamente as difíceis árias, romanzas e os trechos de ópera de conhecidos atores, pela colocação técnica musical, com precisas modalidades dominando assim a sua voz educadíssima, todas as notas, desde as mais graves às mais agudas.
A sua alma de artista é como se diz, alma feita de luz, dessas cujo movimento irrompe o belo na sua expressão, na sua modalidade acabada e perfeita. A difícil e divina arte lírica é a feição dominante do seu espirito, no plano em que se firma e tem nele uma encarnação expoente, o que não se julga antes de ouvi-lo, pela sua modéstia, pois que não ainda precedido de reclames. Brillantini é, pois, um artista”. Segundo a pesquisa do maestro Daniel Guimarães Nery a música de câmara ganhou importância na cidade com a mudança de Luiz Basílio Ferraz para Atibaia, em 1914,mas infelizmente não foi encontrada qualquer referencia a este nome nas páginas do Atibaiense. Este registro concentra-se nas publicações desse jornal e, portanto, traz uma abordagem parcial dos fatos, merecendo uma pesquisa mais ampla.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.