Guerra, pandemia e carnaval

Felizmente depois de alguns meses os sobreviventes já haviam criado imunidade contra a doença, e aos poucos, os casos foram diminuindo.

Márcio Zago

Alguns anos da década de dez não foram nada animadores para o reinado de Momo. Em 1914 teve inicio a primeira guerra mundial, tragédia que matou mais de nove milhões de pessoas. Quando a guerra terminou, em 1918, veioà gripe espanhola, uma poderosa pandemia causada pelo vírus influenza que infectou cerca de um quarto da população mundial na época, matando outros milhões de pessoas. O nome gripe espanhola surgiu após a doença ter acometido o Rei Afonso XIII, da Espanha, país que estava neutro na guerra.
O fato foi amplamente divulgado enquanto os censores da Primeira Guerra minimizaram seus efeitos nos demais países infectados como Alemanha, Reino Unido, França e Estados Unidos. A intenção foi esconder a doença para manter o ânimo dos soldados. Em breve a pandemia chegou ao Brasil através dos passageiros dos navios vindos da Europa. Estima-se que 35 mil pessoas tenham morrido no Brasil por conta da pandemia, sendo 15 mil somente no Rio de Janeiro, então capital federal. Neste período o carnaval carioca ficou bastante prejudicado.
Felizmente depois de alguns meses os sobreviventes já haviam criado imunidade contra a doença, e aos poucos, os casos foram diminuindo. A desforra veio em 1919. Conhecido como “O maior carnaval de todos os tempos”, o carnaval de 1919 levou cerca de 400 mil pessoas ao centro do Rio de Janeiro. Segundo o escritor Ruy Castro: “Hoje sabemos que a ‘Espanhola’ foi embora em fins de novembro daquele ano (1918) e não voltou. Mas eles, que a viveram, não sabiam se ela voltaria ou não – o Carnaval de 1919 podia ser o seu último. Era uma atmosfera de fim do mundo. O negócio então era aproveitar ao máximo”. Em Atibaia, embora bastante diferente do contexto carioca, o carnaval também sentiu os efeitos da guerra e da pandemia. Foram vários atibaienses infectados pela gripe, muitos deles atendidos no hospital improvisado armado na Rua 13 de Maio, mas felizmente sem um número alarmante de mortes. Nesse período, mais precisamente a partir de 1914, não surgiu qualquer referencia ao Zé Pereira nas matérias do jornal “O Atibaiense”, mas algumas noticias chamavam a atenção: Em 1915 o jovem Benedito Alves pretendia realizar um baile à fantasia em conjunto com a recém-fundada Terpsíchore Club nas dependências do Clube Recreativo.
Não há noticia sobre a realização do baile, mas outra matéria na mesma edição alertava para a Lei 170, da Câmara Municipal, que reforçava a necessidade de prévia autorização do delegado para sair fantasiado no Zé Pereira, nos folguedos carnavalescos ou demais fanfarras infernais, além da proibição total dos jogos de entrudo. Em 1916 o jornal trazia a informação sobre um baile à fantasia ocorrido no Recreativo com animada batalha de lança-perfume e confete. No ano seguinte outra nota advertia que alguns jovens da cidade pretendiam realizar um “corso de arromba” e um baile à fantasia de “escrachar”, além da possibilidade de realizar a primeira Mi Carenede Atibaia,com um “formidoloso baile a fantasia”. Mi Carene é uma tradicional festa carnavalesca de origem francesa que ocorre no meio do período religioso da quaresma. Conhecida no Brasil como Micareta, a festa pode ser entendida como um carnaval fora de hora. Em 1918, além dos bailes a fantasia do Recreativo, outra noticia dava conta que “(…) Alguns bandos de mascarados percorreram as ruas da cidade. A nota alegre foi dada por algumas senhoritas da nossa melhor sociedade, que trajadas a caráter saíram em carros e automóveis particulares atirando serpentinas por onde passavam (…)”. Obs: Este pode ter sido o primeiro “corso” registrado da cidade e ocorreu meses antes da pandemia se abater sobre a cidade. Em 1919, além do anúncio de um baile a fantasia no Recreativo, o Atibaiense trazia uma nota bastante animadora: “Felizmente parece estar em franco declínio à epidemia de gripe nesta cidade. Os casos que foram notificados geralmente apresentaram-se com característica benigna”. Em 1920 o ano iniciava mais alegre, sem as trágicas notícias de mortes por causas naturais ou fabricadas pelo homem. Parecia que todos os males estavam se esvaindo. Era hora de agradecer por ter sobrevivido a tantas adversidades e festejar a vida.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.