Circo versus Cinema

Márcio Zago

Na atualidade, tanto o circo como o cinema, já possuem linguagens específicas eaceitas como arte. Mas nem sempre foi assim. Em 1911 o crítico de cinema Ricciotto Canudo publicou em Paris um artigo intitulado “La Naissance d’unsixième art. Essaisurle cinematografe”, algo como “O nascimento de uma sexta arte. Ensaio sobre cinematografia” considerado como o primeiro texto que definia o cinema como uma arte. É dele o famoso “Manifesto das sete artes”, publicado em 1923.
Nesse manifesto ele classificou a arte em sete tipos. A saber: música, dança, pintura, escultura, teatro, literatura e por fim o cinema. Hoje novas manifestações artísticas foram incorporadas a lista, subindo para onze: a fotografia, a história em quadrinhos, os jogos eletrônicos e a arte digital. Em Atibaia, naquele inicio de século XX, mais precisamente em janeiro de 1914, um artigo publicado no jornal “O Atibaiense”também chamava a atenção para as qualidades do cinema.
Naquele período o cinemaera novidade e aindanão contava com linguagem definida, permanecendo associado ao teatro e ao próprio circo, com suas mágicas, ilusionismos e todo tipo de efeitos cênicos, portanto muito mais ligado ao popular que ao erudito. Com o título: “O bom filho volta à casa Materna…” e com o subtítulo “Circo versus Cinema” a matéria do jornal começava expondo um conflito que sempre ocorria cada vez que um circo se instalava na cidade. Em 1914 havia dois cinemas na cidade: o Pavilhão Recreio Cinema e o Palace Teatro.
Nesses momentos, além da disputa acirrada entre eles, outro concorrente de foravinha “roubar” o escasso público da época. O estopim desse artigo foi o Circo Naska, uma bem montada companhia liderada pelo artista Frank Naska. O artigo dizia: “Os cinemas desta cidade, com a vinda do Circo Naska, não funcionaram. Por quê? Perguntarão os amáveis leitores. Ora, naturalmente porque o povo já estava cansado de ver fitas, ele só quer novidades. Eis aí a razão pela qual o circo, mesmo neste tempo de chuva e de crise, deu espetáculos com casas repletas que faziam juntar água na boca dos senhores empresários do cinema. Bem, a crise agora piorou.
O circo deu uns seis espetáculos e bateu a linda plumagem deixando-nos numa quebradeira medonha. Ouvi dizer que muita gente pretende abrir falência, mas não creio. O único recurso que poderemos lançar mão é voltarmos como bons filhos aos cinemas, pois financeiramente falando, são bem melhores que o circo. A comodidade é outra e depois, sob o ponto de vista intelectual, é incontestavelmente superior”.
Como se nota, o artigo começava lamentando o fato do circo “roubar” o publico dos cinemas, mas indicava que seus “habitués” estariam perdoados se voltassema frequentá-los. O artigo aproveitava ainda para tecer comparações e exaltar as qualidades do cinema sobre o circo. O texto continuava: “Garcia Redondo, membro da Academia Brasileira de Letras, em uma de suas preciosas conferencias realizadas no high-life Teatro de São Paulo, referindo-se ao cinematógrafo salientou a sua conveniência e o grande aproveitamento que ele nos traz dizendo: Ah, não digais amigos meus, que o cinematógrafo é um simples passatempo, um mero instrumento de prazer. Não. O cinematógrafo é além de tudo um bom livro onde tudo se aprende, onde tudo se pode aprender”. E na continuidade do artigo o autor do texto aproveitava para divulgar a próxima atração do Palace Teatro: o filme histórico Marco Antônio e Cleópatra.
Na disputa pelo público pagante o cinema precisava encontrar seu espaço, nem que fosse preciso desqualificar outras áreas artísticas, como o circo por exemplo. Tarefa nada fácil uma vez que o circo, na forma como conhecemos hoje, já existia desde o século XVIII e sempre contou com grande aceitação popular… Embora, até hoje,o circo não conste na famosa lista do “Manifesto das sete artes”.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.