Feriado de Finados estimula reflexão sobre ancestrais

O pesquisador Evaristo de Miranda, que acompanha a vida de Atibaia há muito tempo, escreveu texto sobre Finados, com o título “Feno de luz, lágrimas em flor”.

O Atibaiense foi autorizado a reproduzir essa reflexão, que une ciência e espiritualidade.

“Finados é um dos feriados mais antigos e mais celebrados em todo o mundo. Não é um feriado religioso. A festa religiosa ocorreu na véspera: Todos os Santos. No Finados celebra-se a memória dos falecidos. Eles chegaram ao fim do seu tempo. É dia solene, consagrado à lembrança de antepassados, ascendentes e de todos os mortos. Não se trabalha. As nações se consagram a meditar, a relembrar. No agronegócio, Finados é o tempo da floricultura, o segundo dia do ano em comercio de flores, vasos e arranjos.

Enquanto orientais celebram um verdadeiro culto aos antepassados, algumas pessoas não respeitam este feriado. Não lhes diz nada. Não corresponde a evento ou personagem de seu interesse. Profanadores desta data esquecem seus ascendentes, seus antepassados. Perdem a memória e, sem querer, profanam a si mesmos. Tiveram pai, mãe, avós, bisavós… e imaginam-se começando em si mesmos. Os filhos do nada são sementes do caos.

Símbolos e arquétipos agrícolas ilustram este feriado, como nenhum outro. Finar evoca o findar. Os finados foram ceifados em seu tempo. O feno é a erva ceifada. Alimenta os animais em períodos difíceis de inverno ou seca. Os exemplos de vida dos ascendentes também alimentam os viventes. Eles são um feno de luz. Na Bíblia, o homem é comparado à erva do campo (Sl 103,15). Finar e fenar são semelhantes. Feno vem do grego phaíno: brilhar, aparecer.

A foice, instrumento agrícola, está associada à figura da morte. O brilho reluzente de sua lâmina não apaga os finados, apenas os igualiza diante das leis da natureza. A foice simboliza os ciclos de colheita e renovação e os próprios camponeses. Na colheita se corta o caule. Como cordão umbilical, ele liga o fruto à dependência da terra alimentadora. Na colheita, o grão é condenado à morte para servir de alimento, sustentar a vida ou germinar como semente. Neste novembro, na agricultura, o essencial das sementes já foi plantado. Elas germinam e já garantem a futura grande safra de verão.

Os mortos não se apagam, se durante a vida cortaram com a foice da consciência as ilusões do mundo e de seu próprio egoísmo. Seus exemplos os fazem brilhar na lembrança de quem amaram e os amou. A claridade de seus exemplos brilha como estrelas. Ajuda os vivos a atravessar períodos desfavoráveis, alimentando-os de sua luz. Mesmo se ela foi trêmula, como a da vela, com hesitação e beleza. Não viveram apagados. Fizeram um trabalho de luz. Sua memória é facho e feixe de luz. Finados é dia de acender velas. Harmonia é a tensão da luz ao vencer trevas e escuridão. A vela reúne três reinos: o animal, na cera de abelha; o vegetal, no pavio de algodão e o mineral, na resídua do fogo. E relembra, acesa em casa ou nos cemitérios: a luz do ser amado não se apagou.

Finados é dia de visitar cemitérios; limpar e ajeitar os túmulos; acender velas nas sepulturas, igrejas e casas; pronunciar uma oração; fazer pelo menos um minuto de silêncio e meditar. Crianças órfãs crescem com a memória viva dos pais falecidos. Adultos, com os anos, colecionam seus mortos. E na velhice, todos se tornam órfãos. Ritualizar a lembrança dos mortos é terapêutico. Os mortos são a presença de uma ausência e não ausência de uma presença.

Os ritos profanos e sagrados dão outra perspectiva ao tempo. Para muitos, a ordem inteligível, sempre presente no escoar do tempo, é a do movimento perpétuo. Para quem crê, o tempo pode ser da salvação e da graça. Não se trata mais de viver somente a inexorável passagem do tempo (chronos), quarta dimensão do criado. Em Deus pode-se viver um tempo novo e em Cristo um tempo definitivo (kairós).

Floricultores usaram tecnologias modernas para garantir flores, levadas aos milhões aos cemitérios. E também adornam fotos de falecidos nas casas, transformadas em altares domésticos. Na tradição cristã, os mortos são plantados como sementes de eternidade. Regados com lágrimas, florescem no jardim da Eternidade. A flor é símbolo de ressurreição. Quem leva flores ao cemitério reafirma sua fé na vida. A luz dos falecidos ainda brilha. Cada um ao nascer recebe dons especiais. Durante a vida os dons são cultivados, terminam por florir, perfumar o mundo e por iluminar irmãos e irmãs.

Finados é sinal de esperança. De futuro e não de passado. Não evoca remorsos ou lamentações, queixas ou condenações. A simbologia agrícola de Finados, com sinais de ciclos cósmicos, vegetais e rurais, relembra: a humanidade pode ser um belo jardim, diverso e fraterno, perfumado e iluminado, distante das trevas e da opressão. Sempre é tempo de recomeçar”.

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