O Setembro Amarelo termina, mas a depressão permanece

Tornar todos os meses amarelos é uma responsabilidade social que pode (e deve) passar pelas mãos de todos: conheça o Projeto Help e saiba como ajudar.

Por Anna Luiza Calixto

Passo a passo, com girassóis nas mãos e um sorriso no rosto (mesmo que coberto com máscaras), jovens de diferentes idades caminhavam por praças e comércios no centro da cidade de Atibaia, entregando cartas motivacionais e oferecendo uma palavra empática a quem dela precisasse. Dentro do envelope entregue em minhas mãos, os dizeres: “Não importam quantas vezes você caiu, basta recomeçar.” A jovem voluntária foi enfática ao atestar que todos os dias são uma oportunidade para um recomeço e apresentou seu depoimento pessoal de enfrentamento do transtorno depressivo, responsável por parte substancial das tentativas de suicídio no Brasil e no mundo. A cada quarenta segundos, perdemos um de nossos pares para o suicídio – tendência que deve aumentar em decorrência da reclusão social em virtude do período de distanciamento social – e, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, noventa por cento dos casos de letalidade são plenamente evitáveis através de ações preventivas, a exemplo fundamental do Projeto Help.
Jovens de todo o Brasil tornam-se fios condutores desta missão, voluntariando-se a estender suas mãos a potenciais vítimas dos transtornos de ansiedade e depressão, ocasionados não raro pela ocorrência do bullying ou da violência intrafamiliar, responsáveis por desencadear pensamentos suicidas e a automutilação, passo que antecede a tentativa de tirar a própria vida. Distribuindo girassóis pela cidade, os jovens do Projeto Help são capacitados para tecer um contato dialógico com seus ouvintes, capaz de identificar possíveis traços dos transtornos acima mencionados e prevenir a progressão violenta destes casos. Pautando seus exemplos particulares como ferramenta de promoção da empatia e do reconhecimento identitário, os voluntários optam por uma abordagem isenta de quaisquer possibilidades de julgamento e estereotipação dos casos, que são, indiscutivelmente, singulares e carregados de peculiaridades inerentes à pessoa humana.
Os dados acerca da automutilação entre o público infanto-juvenil são bastante defasados, não obstante a sensação que predomina nos corredores das escolas e nas salas de atendimento psicossocial das redes municipais de saúde é a de ascensão desenfreada – e, válido ressaltar, a de predominância entre o gênero feminino, o que nos aponta um importante sintoma dos efeitos sociais da pressão estética sobre o corpo ideal e o padrão de vida (e de consumo) ilusório, ambos inalcançáveis.
Passo anterior ao suicídio, a automutilação é uma violência que inscreve-se na tessitura social como um incontestável pedido de socorro, que não pode ser vilipendiado ou estereotipado. Portanto, frases como “Tudo isto para chamar atenção”ou “Isto é frescura de quem nunca teve problemas de verdade”e, até mesmo,”Na minha época isto se resolvia apanhando”não são só recorrentes, mas em parte responsáveis pela dificuldade que muitas crianças e adolescentes enfrentam para procurar ajuda e expor seu caso, não raro decorrente de outras violências, tais como a sexual.Violência constrói violência – mas não pode ser combatida com violência.
Falar como se o problema não existisse não contribui para que ele seja resolvido. A automutilação é um sintoma de problemas ainda mais severos que estão caminhando. Por isso é um pedido de socorro, uma tentativa de substituir a dor psicológica por um ou vários cortes pelo corpo. Afinal, eles estancam – mas o que está por trás deles permanece sangrando.
Para além da interação escolar com as crianças e adolescentes, é urgente que as famílias estejam dispostas a ouvir e dar apoio, suporte sem julgamento e o afeto de que todos eles precisam para lidar com a dor, seja de que natureza ela for. Esconder os objetos cortantes a todo custo e repreender violentamente, aplicando castigos e bloqueando o uso da internet são medidas imediatistas que podem até dar um retorno a curto prazo, mas a longo prazo só alimentam o ódio e a solidão de quem não foi estimulado a enfrentar a questão de forma madura e consciente.A escola e a família desempenham papéis fundamentais na identificação da autolesão, da reclusão, da violência e dos transtornos de ansiedade e depressão, mas toda a sociedade e os canais de comunicação são igualmente responsáveis na produção de estereótipos e preconceitos que reprimem a iniciativa de crianças e adolescentes a procurarem auxílio pelo fim da automutilação e o tratamento para suas dificuldades.
Para subsidiar ações preventivas e promover a mobilização no combate à automutilação, transtornos de ansiedade e depressão e tentativas de suicídio, o Projeto Help têm desenvolvido metodologias não invasivas de apoio à vítima, para além do Setembro Amarelo, em um trabalho continuado através de atendimentos remotos em plantões no WhatsApp, cujo número (consta na sessão Serviço desta Coluna) está disponível a qualquer momento do dia.
Perigosa, multifacetada, emergencial e responsável por sintomas sociais que passam pelas mãos de todos nós, a depressão é uma ferida, uma fratura social que precisa ser remediada enquanto não flerta com o suicídio. A cura está na velha – mas nunca antiquada – prescrição do diálogo, do olhar sensível e necessário sobre crianças e adolescentes que cometem violência para curar a violência de que foram vítimas.
Para cessar a dor, uma boa dose de empatia. Ela cessa com o encontro do olhar de quem fala com o de quem passa a perceber o outro, quando a primeira lágrima escorre, a primeira palavra é dita, o primeiro abraço é dado e a escuta acontece – uma escuta sem cortes, sem julgamentos, sem pressão e, finalmente, sem medo.

SERVIÇO
O Projeto Help atende durante todo o ano, a qualquer horário, através do WhatsApp: (011) 4200 0034
O CVV (Centro de Valorização à Vida) dispõe do telefone 188, com absoluto sigilo de informações, sem custo para telefonemas de todo o Brasil.