Naquele tempo, vejam só, o jornal era considerado “mirradinho e briguento”

O título desta coluna foi inspirado pelo livro “Recordações de Atibaia”, de Francisco da Silveira Bueno (1898-1989), que reúne memórias que vêm desde os anos 20 do século passado. Pedro Alvim, o editor, conta que o autor abordou principalmente sua infância numa cidade muito diferente da atual. O professor e intelectual Francisco registrou suas lembranças de Atibaia, pela primeira vez, quando tinha 21 anos. O texto é saboroso, escrito sempre com bom humor, dentro das regras estritas da língua.
Na página 23, ele começa contando que o jornal “O Atibaiense” era mirradinho e briguento, por vezes, anticlerical, “duas qualidades que muito me seduzem hoje na imprensa diária da capital. Eu conhecia bem a redação, porque lá vendiam bolinhas de fubeca (bolinhas de gude) e a vendedora errava de propósito a conta, dando umas bolinhas demais a certos compradores”. Na sequência, o escritor lembra missionários espanhóis, que tentavam obrigar a todos à confissão. Um dos fiéis revoltados com tal atitude foi descrito poeticamente no jornal por Aprígio de Toledo, o que gerou forte reação do padre.
“A santa humildade do padre espanhol subiu a cem graus e, à noite, no púlpito, com gestos teatrais, de crucifixo em punho, amaldiçoou o jornal e o escritor, rasgando o jornal, espumando de santa cólera. Pegou fogo a cidade: houve represálias, discussão em plena rua e para que os valentíssimos pregoeiros de um Jesus que manda ser humilde, não apanhassem, as senhoras de Atibaia formaram um esquadrão, levando os missionários da igreja para a residência paroquial. A maldição não pegou, porque o jornal cresceu e Aprígio de Toledo encheu esta terra com a sua fama de ótimo advogado por muitos anos ainda. O padre Brandi é que perdeu, porque teve de sair logo depois, à força de um assinado popular”, contou Francisco da Silveira Bueno.
E o autor – que publicou dezenas de obrase colaborou com praticamente todos os jornais e revistas da capital paulista – concluiu a história: “Como se vê, Atibaia não era muito pacata e os ânimos não se acovardavam nem sequer diante de uma ameaça religiosa”. Pois é, meus amigos Francisco da Silveira Bueno falava diversas línguas, foi um dos maiores estudiosos do nosso idioma e pioneiro do ensino do Português pelo rádio. Nascido em Jarinu, mas sepultado em Atibaia, terra que tanto amou.