A Festa das Brotas e os jogos

A programação daquele ano seguia o mesmo modelo dos anos anteriores: missa cantada, procissão e os animados leilões que visavam arrecadar fundos para a manutenção da igreja.

Márcio Zago

Em 1926, o jornal O Atibaiense anunciou mais uma vez a realização da tradicional Festa das Brotas, que ocorria todos os anos no mês de setembro. A intenção dessa festa era trazer chuva para a região depois de um período cíclico de forte estiagem, uma necessidade iminente para grande parcela da população, predominantemente agrícola.
A programação daquele ano seguia o mesmo modelo dos anos anteriores: missa cantada, procissão e os animados leilões que visavam arrecadar fundos para a manutenção da igreja. Diferente dos anos anteriores, o que chamou a atenção no artigo publicado em 1926 foi o fato de o jornal alertar aos motoristas de automóveis para que redobrassem a atenção durante o percurso até o local. O perigo existia em razão do grande número de romeiros que circulavam pela estrada, tanto a pé como montados em animais.
O automóvel era uma nova realidade trazida pelo progresso, e rapidamente passou a fazer parte do cotidiano da cidade, ocupando o “leito carroçável” até então exclusivo dos pedestres e dos animais. Esse crescimento no número de automóveis se intensificou a partir dos anos vinte, com a importação de carros para o Brasil.
Em 1919, a Ford iniciou a montagem de seus carros em São Paulo e em 1924 a cidade recebeu sua primeira agência Ford, que ficava na Rua José Alvim. A novidade propiciou a instalação da primeira bomba de gasolina de Atibaia, além das primeiras oficinas, obrigando a oficialidade local a estabelecer também as primeiras leis de trânsito. A expansão da frota automotiva, embora diminuta, logo chegou a muitas manifestações culturais que ocorriam na cidade, como no corso carnavalesco e nas romarias religiosas, por exemplo.
O que permaneceu inalterado na Festa das Brotas durante todo o tempo em que foi matéria do jornal O Atibaiense foram as notícias a respeito das jogatinas que ocorriam no evento.
Anos com maior repressão, anos com certa “vista grossa” por parte da polícia, a Festa das Brotas sempre foi associada aos jogos por boa parte da população da região. Festa eminentemente rural e popular, o sagrado e o profano coexistiam naturalmente nessas ocasiões. Mais que um ato religioso, a Festa das Brotas era um evento social que reunia populares de diferentes bairros e das cidades próximas, onde a jogatina fazia parte do rol de diversões disponibilizadas ao povo.
Naquele ano, o artigo do jornal O Atibaiense informava: “Foi digna de nota a boa ordem em que tudo ocorreu, graças às providências tomadas, principalmente pela digna autoridade policial que foi incansável no desempenho corretíssimo da sua missão de zelar pelo respeito e acatamento público em tal ocasião. A repressão ao jogo foi a mais severa possível e ficaram, portanto, frustrados os planos de jogadores estranhos a esta localidade, os quais, vindos de São Paulo e outras cidades vizinhas, pretendiam, como em Perdões, explorar a ingenuidade do nosso povo, causando desse modo a mais completa desmoralização de uma festa, mormente quando essa é religiosa. (…)”.
Neste artigo, notamos que o incômodo em relação às jogatinas se intensificou pelo fato de uma parcela dos jogadores ser de pessoas que vinham de fora da cidade, de forasteiros, levando a pensar numa certa “profissionalização” da atividade. Mais que um passatempo, os jogos passaram a ser um problema para a festa, que, segundo o próprio artigo, ocorria também em outras localidades, como em Perdões.
As mudanças flagradas na matéria, tanto em relação aos automóveis como às jogatinas, já eram reflexos do progresso trazido pela tecnologia. Ficava para trás a camaradagem e certa ingenuidade nas relações sociais praticadas pela população simples da época, onde todos conheciam todos, para dar lugar aos novos participantes da festa que chegavamgraças ao”encurtamento” das distâncias facilitadas pelos automóveis.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.