Você respeita as crianças?

A reflexão que proponho aqui é que, em geral, desrespeitamos as crianças. Invalidamos suas vozes, opiniões e desejos.

Anna Luiza Calixto

Você já percebeu que soa natural dizer “eu não gosto de crianças” ao passo que é absurdo – e com razão – dizer “eu não gosto de idosos” ou “eu não gosto de jovens”? É como se crianças representassem uma sub-categoria de gente. Parece dramático? Pois bem, apresento mais um exemplo. Você já se deu conta de que consideramos inadmissível qualquer tipo de violência contra os animais e, ao mesmo tempo, muitas vezes preferimos não nos “intrometer” quando alguém bate numa criança na fila do supermercado porque ela está “fazendo birra”? Afinal, validamos frases como “o filho é meu, com ele eu faço o que quiser.”
A reflexão que proponho aqui é que, em geral, desrespeitamos as crianças. Invalidamos suas vozes, opiniões e desejos. Desconsideramo-las como sujeitos de direitos e cidadãs capazes de escrever suas próprias histórias. Resumimo-las como um “vir a ser adulto”, um estado transitório desimportante em que elas nada mais são do que objetos de nossa posse (nós, os adultos).
Um adulto diz que não gosta de espinafre. Ótimo, ele pode comer outros vegetais e legumes. Uma criança diz que não gosta de espinafre. Quantos de nós damos uma garfada na hortaliça verdinha e dizemos para o pequeno “abrir o bocão que lá vem o aviãozinho” sem se dar ao mínimo trabalho de conversar sobre a importância de uma alimentação saudável e balanceada?
Até nosso vocabulário transmite esse desrespeito. “Nossa, seu comportamento é tão infantil! Credo!” – perceba aqui a associação direta de infantilidade com mau comportamento. Se parasse por aí eu não me importaria nem um pouco, mas minha lista é imensa. Ano após ano, no Natal, filas imensas se formam em torno da praça de eventos dos shopping centers para que as crianças sentem no colo do Papai Noel e sorriam para a foto do ano. É possível encontrar nessas filas crianças que ainda nem sequer possuem o repertório suficiente para reconhecer a história do bom velhinho, mas têm figuras de cuidado que fazem absoluta questão da foto, nem que a criança saia no registro aos prantos, desesperada ao ser entregue nos braços de um desconhecido. Se o adulto faz tanta questão da foto, por que não senta ele mesmo no colo do Noel? Pois é, aí passa a soar absurdo.
“Criança não tem que querer nada! Criança não abre a boca em conversa de adulto! Criança só dá trabalho. Aqui em casa só dá opinião depois dos 18 anos! Engole o choro senão eu vou aí e te dou motivo pra chorar!” – alguma dessas sentenças soa familiar para você? Não duvido nada que sim. Caso nunca tenham sido proferidas por você, podem ser reconhecidas pelos seus ouvidos, que muito escutaram frases como essas advindas dos adultos que cuidavam de você quando você mesmo era a criança.
Onde quero chegar com isso? Pra variar, na pedagogia de Paulo Freire. O pedagogo já anunciava que “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor.” Quantos dos nossos gritos com crianças descarregam a impaciência com aqueles que não nos entendiam quando tínhamos a idade delas? Nossa dificuldade em compreender a infância não vem também da dificuldade que nossos responsáveis tinham em nos compreender? É prazeroso se sentir o carrasco e não o enforcado, eu sei. Mas esse sadismo precisa ter um fim, em nome das novas gerações.
Por falar em célebres cearenses, relembremos Belchior. “E a minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.” Vivemos, falamos e educamos… Há coisas típicas do comportamento infantil e ninguém é obrigado a apreciá-las. Mas de uma coisa eu tenho certeza. Respeito é bom e as crianças também gostam. Uma educação respeitosa, marcada por valores positivos, não impede a disciplina e os limites. A diferença é que eles são construídos, não impostos. É o que difere o autoritarismo da autoridade; a temeridade do amor. Eu te amo, por isso te respeito. Você me ama, por isso me respeita. No final do dia todos agradecem por isso.