O inventor do cinematógrafo

Márcio Zago

Em julho de 1921, o jornal O Atibaiense publicou uma curiosa matéria informando que havia morrido pobre o inventor do cinema. Nessa época, o cinema em Atibaia já estava consolidado como importante espaço cultural e de convivência social para boa parte dos atibaienses, merecendo uma atenção especial do jornal, que constantemente publicava matérias a respeito do mundo cinematográfico e suas evoluções técnicas.
Na matéria citada, não se tratava de Thomas Edison, tampouco de um dos irmãos Lumière, personagens mais comuns quando o assunto é a paternidade da invenção. Tratava-se de William Friese-Greene. O cinema, no mundo todo, já se mostrava uma das mais promissoras indústrias do entretenimento, fato que enriqueceu muita gente ligada a ele, mas no artigo do Atibaiense, o inventor, além de pouco conhecido, tinha, curiosamente, morrido pobre. O artigo descrevia a trajetória do inventor, desde suas primeiras experiências com as placas de vidro, em 1889, até o uso dos rolos de celuloides.
Narrava também as dificuldades que enfrentava para continuar sua pesquisapor falta de recursos, e sua prisão por não conseguir quitar o empréstimo que havia contraído para essa finalidade. Pago por amigos e liberto novamente, o personagem narrado pelo Atibaiense passou a trabalhar numa oficina fotográfica a cores. Durante o período de sua prisão, suas ideias foram parar em “mãos poderosas” do meio cinematográfico, dizia o jornal. Ou seja, seus inventos foram “surrupiados”, e o resto de sua vida foi tentar reaver a verdade. Em determinada parte do artigo, o jornal descrevia seu trágico fim: “Sua morte, porém, se revestiu de dramaticidade extraordinária. Realizava-se uma reunião de fabricantes de filmes – homens enriquecidos à custa de seus engenhos, quando Greene pediu a palavra.
Obtida, ergueu-se e antes de começar a falar tombou fulminante por um ataque cardíaco. A presença daquele pobretão só fora tolerada porque ele estava representando a casa em que trabalhava e sua morte impacientou os assistentes porque interrompeu a sessão”. Numa pesquisa rápida, é possível saber da grande celeuma que envolveu a descoberta do cinema. Além do americano Thomas Edison e dos franceses Auguste e Louis Lumière, havia outros que reivindicavam a descoberta. William Kennedy Dickson era um deles.
Nascido na França e criado na Inglaterra, Kennedy Dickson trabalhou para Thomas Edison e dizia ser ele o verdadeiro inventor do cinema e que também fora “surrupiado” pelo patrão. Outro a se declarar o pai da criança foi o inventor britânico Louis Le Prince. E havia outros: Os franceses Etienne-Jules Mareye Charles-Émile Reynaud, o alemão Herr Max Skladanowsky e o americano Charles Francis Jenkins. Cada um alegando ter inventado o cinema antes do concorrente. É bem provável que o cinema seja uma invenção realizada a muitas mãos, uma somatória de experimentos e descobertas, mas os elevados valores financeiros que orbitavam em torno da invenção tornavam a disputa acirrada, cheia de traições, sacanagens e disputas entre nações.
Mas voltando ao artigo do Atibaiense, o jornal defendia o injustiçado William Friese-Greene e criticava a ganância existente nos meios cinematográficos, principalmente seus métodos poucos leais de resolver as questões, finalizando assim a matéria: “Não duvidem que no futuro façam da sua história (de William Friese-Greene) um filme para… ganhar dinheiro”. Pois é, O Atibaiense estava certo. O filme realmente foi feito trinta anos mais tarde e chama-se “The Magic Box”, do diretor John Boulting, mas se deu muito dinheiro, não sei!

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.