Nem tudo que reluz é ouro

Márcio Zago

Em 1922, dois grandes acontecimentos ocorreram no Brasil: a Semana de Arte Moderna em São Paulo e a Exposição Universal, um evento comemorativo ao centenário da independência que teve lugar no Rio de Janeiro. Assuntos pouco tratados pelo Atibaiense.
Em abril, porém, uma matéria do jornal chamava a atenção dos leitores para a iluminação que seria usada num dos pavilhões da Exposição Universal. A matéria destacava o projeto de iluminação que um técnico americano faria num dos pavilhões da exposição: “Uma das maravilhas dessa iluminação, e que vai ser empregada no Rio, é o uso de pedras brilhantes, que constituindo incrustações semelhantes às joias nos edifícios, estendendo-se em painéis, formando colares e gargantilhas, produzirão milhões de reflexos coloridos. Com essas pedras, será levantada na exposição a torre das joias. A tonalidade da luz, que poderá atingir 30 cores diferentes, variará de dia para dia”. Nessa grande exposição, a iluminação noturna dos edifícios tinha um caráter cenográfico e foi um dos destaques do evento, atraindo milhares de visitantes.
Ao contrário da Semana de Arte Moderna, que buscava nossas origens nacionalistas, a Exposição Universal foi assumidamente eurocêntrica, transformando o antigo Morro do Castelo numa aparente avenida europeia. Dezenas de edifícios em estilos neoclássicos compunham a exposição comemorativa do Centenário da Independência do Brasil, alguns réplicas de edificações já existentes, outros especialmente criados para o evento. Cada um deles um “stand”deum país: Estados Unidos, Portugal, Inglaterra, Japão e outros.
Outros edifícios abrigavam objetos e documentos representativos de áreas do desenvolvimento nacional, como o Pavilhão do Comercio, da Aviação, das Pequenas Indústrias, etc. Foi o maior e mais ambicioso evento promocional realizado até hoje no Brasil e durou de 7 de setembro de 1922 até 24 de julho do ano seguinte. A ideia era criar uma grande vitrine, passando ao mundo a imagem de um Brasil moderno e desenvolvido, visando atrair investimentos estrangeiros para o país em crise. O café, uma das maiores economias da época, começava a perder importância e a Velha República já demonstrava fraqueza. Para a construção das dezenas de pavilhões e palácios nacionais e estrangeiros, foi mobilizada boa parte da população carioca, começando na demolição do Morro do Castelo, o berço da cidade.
O morro foi um dos pontos de fundação da cidade no século XVI e abrigou marcos históricos importantes como fortalezas coloniais e os edifícios dos jesuítas. Apesar disso, foi extinto para dar lugar à Avenida das Nações, palco da grande festa. A alegação era de que o morro do Castelo, reduto do povo pobre, desvalorizava a imagem da capital. Mais ainda, havia a tese de que ele (o morro) barrava o vento que vinha do mar, aumentando o calor da cidade, fator que favorecia o crescimento de moléstias. Para resolver o problema da insalubridade do Rio, o Morro do Castelo deveria sumir do mapa.
E assim foi feito. As montanhas de terras removidas de lá aterraram a orla do centro num processo marcado por polêmicas e acusações de corrupção. Na verdade, o que estava por trás era especulação imobiliária. De tudo que foi gasto no evento, pouca coisa sobrou: o prédio que abriga o Museu Histórico Nacional, a Academia Brasileira de Letras e o Museu da Imagem e do Som são algumas edificações que resistiram à especulação imobiliária e às constantes mudanças urbanas ocorridas no Rio de Janeiro. O resto foi demolido.
O evento marcou ainda a primeira transmissão pública de rádio no Brasil, quando o Presidente Epitácio Pessoa falou para milhares de ouvintes através dos alto-falantes espalhados pela Avenida das Nações. A ópera “O Guarany”, de Carlos Gomes, foi a primeira música transmitida. Apesar da suntuosidade da festa, a Exposição Universal é pouco considerada e sua associação aos encantos e possibilidades da luz elétrica pode lembrar uma máxima da frase popular: Nem tudo que reluz é ouro.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.