Cinema X cinema

Em 1912 a cidade tinha dois cinemas em atividades, o Recreio Cinema, que já funcionava em prédio próprio na Rua José Alvim e o Popular Cinema instalado provisoriamente no Teatrinho do Mercado.

Márcio Zago

No inicio do século XX a cidade contava com relativo progresso. Já tinha a estação ferroviária que encurtava distancias entre as localidades, já tinha jornal, telefone, um grupo escolar, uma fabrica que empregava inúmeros trabalhadores, clube, teatro e mercado municipal.
Em 1912 a cidade tinha dois cinemas em atividades, o Recreio Cinema, que já funcionava em prédio próprio na Rua José Alvim e o Popular Cinema instalado provisoriamente no Teatrinho do Mercado. Foi quando os empresários da Hilário& Saraiva, proprietários do Popular Cinema decidiram que já era hora de também ter seu próprio espaço exibidor. Em novembro daquele mesmo ano o jornal “O Atibaiense” publicou um artigo informando como e onde seria o novo pavilhão: “No próximo mês de dezembro serão iniciadas as obras do Pavilhão Popular Cinema, o qual será construído na Rua José Lucas nos prédios que são ocupados pelo Sr. João Marceneiro, que serão arrasados para este fim.
O novo pavilhão obedecerá à norma de teatro, com todos os melhoramentos adaptados nessas casas de diversões nas principais cidades adiantadas dos estados do Brasil e estrangeiro. Terá duas entradas: pelas ruas Itapetinga e José Lucas, sendo aproveitados os terrenos de sobra para um pequeno parque arborizado onde conterá numa das dependências bilhares e mais jogos lícitos, buffets, uma bem montada pastelaria e também cerveja em chops. O Sr. João Hilário pretende inaugurar o pavilhão o mais tardar em fevereiro ou março do próximo ano (…)”… Mas a previsão falhou.
Somente em março o empresário João Hilário contratou o empreiteiro Evaristo Caldeira para dar inicio as obras. A partir de então as constantes matérias publicadas no jornal intercalavam a promoção das fitas que ainda eram exibidas no Teatrinho da cidade com o andamento da construção, tentando criar uma expectativa em relação ao novo cinema que em breve a cidade ganharia. A disputa entre as duas casas de diversões se acirrava. Em março de 1913 uma estranha matéria foi publicada. Seu título “Novo Pavilhão”. “Um cavalheiro que goza de conceito na capital escreveu-nos uma carta participando que por esses dias virá a esta cidade, onde montará um Pavilhão Cinematográfico, tendo anexo um atelier fotográfico e uma tipografia para seu uso próprio que servirá para impressões, reclames, programas, etc.
Para este fim vai adquirir um grande prédio nesta cidade na Rua José Alvim, nas proximidades do pavilhão Recreio Cinema. Esse cavalheiro dispõe de grandes capitais, não importando com lucros, sendo um fanático em cinematografia, constando mesmo que dará sessões quatro vezes por semana, cobrando de entrada apenas 300Reis por seis fitas!”. Como se nota, a fakenews não é de hoje. Embora apócrifo, o artigo era uma cutucada nos proprietários do Recreio Cinema. Mas os proprietários do Popular Cinematambém tinham seus perrengues. Em agosto de 1913 o Atibaiense publicou “A verdade sempre aparece”: “Muito injusto foram os comentários feitos a propósito deste novo teatro que está sendo construído nesta cidade. Certas pessoas, em cujo cérebro não existe a mínima dose de senso comum, possuidoras de um entusiasmo efervescente, criam uma parcialidade inexplicável, escancaram as formidáveis bocas e gritam aos quatro ventos! O teatro está sendo mal construído! É estreito! Ele cai!,etc, etc. Ignoramos completamente o que pretendem com esta última expressão, porquanto, se de fato houvesse algum perigo a Câmara imediatamente embargaria a obra.
No entanto ela nomeou três peritosque depois de fazerem um minucioso exame, acharam-na em ótimas condições, não só pela solidez, como também por obedecer todos os requisitos da higiene. O que mais faltaria para satisfazer as exigências do povo? Entretanto, para não ver transparecer no espirito público nem mais um vislumbre desses comentários, ora transformados em malévolas impressões, o proprietário Sr. João Hilário Vasconcelos deixará uma semana antes da inauguração, a disposição do público, o qual o visitante poderá ter uma ideia do quanto são infundados estes comentários incutidos em seu espírito por meia dúzia de críticos de mau fígado, tão biliosos quão leigos à matéria”. Apesar de todas as dificuldades em breve Atibaia teria dois cinemas em funcionamento. Uma façanha!

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.