O Encontro do Rei

Márcio Zago

O Encontro do Rei, atualmente conhecida como Cavalhada, integra as festividades das Festas do Rosário e acontece sempre no dia 26 de dezembro. No livro “História de Atibaia”, o autor Waldomiro Franco da Silveira escreve sobre outra cavalhada que existiu, provavelmente, até o século XIX.
O assunto surgiu ao descrever as poucas opções de lazer existentes naquela época na pequena comunidade atibaiana, entre elas as touradas e as cavalhadas: “As cavalhadas daquele tempo não devem ser confundidas com o Encontro que até hoje se realiza por ocasião das Festas de Natal.
Aquelas eram um verdadeiro torneio equestre, em que os cavaleiros de bom gosto tinham oportunidade de exibirem ótimos cavalos, e ao mesmo tempo se exibirem em arriscados números de agilidade; os comparsas dividiam-se em dois grupos, um Mouro e outro Cristão; combatiam-se, nesses combates simulados os mais destros na arte equestre e provocavam admiração do povo reunido no campo”. Como se nota, esta foi uma tradição que se perdeu há muito tempo na cidade, e que remonta a histórica luta travada entre o imperador Carlos Magno e os Mouros que invadiram a Península Ibérica no século VI. Tradição portuguesa, essa dramatização da batalha chegou ao Brasil na época de seu descobrimento e permanece ainda hoje em algumas cidades como Pirenópolis – GO, Poconé – MT e outras.Já a cavalhada, ou Encontros, que aconteciam no início do século XX em Atibaiareuniam grande número de cavaleiros. Mesmo num período de retração da festa. Matérias do jornal “O Atibaiense” da época informavam que o evento reunia entre 200 a 300 cavaleiros. Outro pesquisador local, João Batista Conti, assim descreveu essa manifestação no livro Atibaia Folclórica: “Logo depois das 14 horas os primeiros cavaleiros começam a percorrer as ruas principais da cidade, exibindo seu animal. Vão se reunindo centenas de cavaleiros que depois se dirigem a uma chácara nos arredores da cidade”.
A chácara citada era de Jacintinho Poli.O texto continua…”O grupo é formado pelos comandantes, capitães, major da cavalaria a até um marechal – pessoas fardadas a caráter (…). Depois de todos reunidos eles se dividem a procura do rei (festeiro) que está escondido. Assim que o encontram, espocam foguetes e formam-se fileiras de cavaleiros que desfilam pela cidade. Na frente, abrindo a fila, dois oficiais porta-bandeiras, uniformizados. O rei monta geralmente um belo cavalo, escolhido entre os melhores do município e cedido prazerosamente pelo dono. Assim desfilam pelas ruas centrais José Lucas e José Alvim e praças Guilherme Gonçalves e Claudino Alves. Atrás dessa comissão de frente vem os cavaleiros, em geral apresentando enfeites até exóticos nos seus cavalos ou vestimentas. São três voltas na cidade.
Na última param na praça Guilherme Gonçalves, o rei apeia, entra na igreja a faz as orações acompanhado de outros fiéis. Os cavaleiros permanecem na praça. Assim que o rei (festeiro) sai da igreja é recebido pela banda de música e muito foguetório. Ele Monta no seu cavalo e é conduzido até a sua casa pelo cortejo de cavaleiros. Muito antigamente não eram permitidos éguas ou burros, depois isso se modificou. Um fato que virou lenda foi a cavalhada organizada por José Lucas no século XIX. Uma cavalhada só de cavalos brancos, com os auxiliares trajados a rigor. Os desfiles primitivos incluíam mascarados em finas fantasias, com guizos, abrindo o cortejo, jogando e recebendo flores das donzelas que se postavam às janelas das casas”. Depois de mais de dois séculos de existência a manifestação continua, mas sem a grandiosidade, o romantismo e a fé do passado. A cavalhada atual reflete as profundas mudanças que ocorreram neste período, onde a ação mecânica ocupou o espaço e a importância da tração animal no desenvolvimento econômico. Hoje a manifestação se mantém através dos haras e dos poucos sitiantes locais queainda utilizam o cavalo como subsistência e preservam a fé como seu grande motivador.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.