HISTÓRIAS DE ATIBAIA – A Torre da Matriz e o perfil literário do O Atibaiense

Márcio Zago

A participação da população na construção e reforma de templos religiosos é um aspecto profundamente enraizado na cultura brasileira. Já nas primeiras décadas do século XX, as páginas do jornal O Atibaiense registravam festas, quermesses e cotizações organizadas com o objetivo de arrecadar fundos para a igreja. Enquanto as famílias mais abastadas colaboravam, sobretudo, com recursos financeiros, a maior parte da comunidade doava sua própria força de trabalho, formando uma ampla rede de apoio em torno da causa espiritual.
Em 1948, O Atibaiense publicou uma nota chamando a atenção dos leitores para a precariedade em que se encontrava a Igreja Matriz, retomando a ideia de uma cotização popular para minimizar o problema. Sugeriu, então, que o SADA (Sociedade Amigos de Atibaia) liderasse a mobilização.
Fundado em 1944, o SADA já não possuía, naquele período, a mesma força de outrora, quando havia conquistado importantes avanços para a cidade, como o título de Estância Hidromineral e Climática e a efetivação da primeira biblioteca de Atibaia, hoje Biblioteca Municipal Joviano Franco da Silveira. O argumento central utilizado pelo jornal para sensibilizar a população apelava à literatura: “Numa de suas inesquecíveis produções literárias acerca de Atibaia, o grande poeta Guilherme de Almeida teve a oportunidade de se referir à torre branca da matriz… Ela era realmente branca, dando impressionante realce ao conjunto arquitetônico de nossa igreja principal. Mas o tempo inclemente aos poucos se encarregou de fazer desaparecer aquilo que chamaria a atenção do poeta: — a torre já não é branca, é encardida…” A referência era à crônica Flor Serrana, de Guilherme de Almeida, publicada em 1938 no jornal O Estado de S. Paulo e pouco depois republicada no próprio O Atibaiense: “Vejo-a estirada ao longo do lombo mole da colina. A torre branca da matriz, que tinha antigamente uma estranha cúpula barroca…” Esse episódio evidencia que, naquele período, O Atibaiense vivia sua fase mais literária, superando inclusive o momento em que o jornal esteve sob a direção do poeta Joviano Franco da Silveira, que infelizmente não pôde consolidar seu trabalho devido ao precoce falecimento.
Não era para menos: entre seus colaboradores estavam alguns dos maiores escritores e poetas de Atibaia, muitos dos quais alcançariam projeção nacional e até internacional no futuro, como André Carneiro, Dulce Carneiro, César Mêmolo Júnior, Oswaldo Barreto Filho e Donozor Lino, entre outros.
O jornal também recebia colaborações externas, convidadas pelos jovens literatos locais. Foi um período em que as páginas do O Atibaiense funcionavam como verdadeiras plataformas de experimentação estética, sobretudo por meio do Suplemento Literário Letras e Artes, que circulava integrado ao jornal e que, mais tarde, ganharia autonomia com o Jornal Literário Tentativa. Mais do que uma preocupação com a pintura da Matriz, o artigo de 1948 revelava a intenção do jornal de zelar pela imagem de Atibaia nos meios intelectuais: “Assim, quando um dia Guilherme de Almeida voltar a Atibaia, não será decepcionado, podendo dedicar novos e maravilhosos versos à ‘torre branca da matriz’…”

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.