Festivais Beneficentes

Esses eventos não apenas proporcionavam entretenimento, mas também tinham o intuito de beneficiar personalidades respeitadas na sociedade, promover reformas importantes em espaços públicos ou apoiar instituições filantrópicas.

Márcio Zago

Durante as primeiras décadas do século XX, houve uma proliferação de ações culturais com propósitos sociais definidos. Esses eventos não apenas proporcionavam entretenimento, mas também tinham o intuito de beneficiar personalidades respeitadas na sociedade, promover reformas importantes em espaços públicos ou apoiar instituições filantrópicas.
Em Atibaia, exemplos não faltam: tivemos espetáculos teatrais cujos lucros foram destinados a artistas em dificuldade, apresentações musicais cuja arrecadação visava à construção ou reforma do grupo escolar, da Santa Casa, das igrejas, compra de uniformes para as bandas musicais e até mesmo levantamento de recursos para a construção de cercas em volta do campo do São João Futebol Clube.
Incentivadas pela cobertura destacada dos jornais, muitos dos quais com forte apelo humanitário e cristão, essas iniciativas eram amplamente apoiadas pelo público. Essa função social atribuída aos eventos culturais imprimia respeito à classe artística, que por sua vez contava com o apoio incondicional da sociedade para divulgar e apoiar suas iniciativas. Era uma simbiose perfeita naquele momento, se considerarmos que não havia qualquer tipo de apoio institucional ou política pública voltada para a arte, fato que ocorreu mais tarde.
Em 1930, o jornal “O Atibaiense” publicou um artigo com esse propósito. Desta vez, para divulgar um festival promovido pelos alunos do Ginásio Municipal em benefício da Santa Casa de Misericórdia. A peça teatral apresentada foi “Amor por Annexins”, uma “encenação da hilariante comédia do grande poeta e comediógrafo brasileiro, Arthur Azevedo – da Academia Brasileira”. No elenco estavam Benedicto Peranovich, Benedita Chaves e Heitor Sant’Anna. O anúncio destacava “Todos ao República, mesmo que chova”, e reforçava “Como se trata de uma festa de caridade, crianças também pagarão entrada”.
No texto que acompanhava o anúncio, “O Atibaiense” informava: “Como se trata de uma festa de caridade, é de supor que todas as pessoas de alma boa e compassiva comparecerão, sempre prontas a atender aos clamores do pobre, de acordo com os belos ensinamentos do divino Mestre”.
Na edição seguinte, o jornal publicou o grande sucesso alcançado pela iniciativa. O Teatro República esteve cheio, o que obrigou inúmeros espectadores a voltar para casa em razão da falta de espaço. Além da apresentação teatral, o festival contou com a participação musical da banda Primeiro de Março, sob a direção do jovem Paulino dos Santos, que também se apresentou ao lado de outra orquestra formada por piano, violoncelo, violino, flauta e outros.
Entre os músicos estavam Lucilla Pires Alvim, Rosita Alves e Benedita de Paula Chaves, além de Cyro, Emiliano e Lázaro Chiochetti, João Marinho Fagundes e Ismael de Mello. Contribuíram com os cenários e na produção do festival o sr.Geraldino Russomano, José Cardoso, Valentim Martins, Nestor André, Lázaro Chiochetti, Virgínio Francisco de Paula, Benedito Albino de Oliveira, José Pires Alvim Sobrinho, Marco ViniciosChiochetti, Dimas Ordonhas e Alfredo Furquim. Nos ensaios, ajudaram Magnólia e Carmélia Cedro.
O jornal também publicou um agradecimento especial a José Pires Alvim, empresário do Cine República, que disponibilizou gratuitamente o espaço para que o evento ocorresse, além de elogiar o jovem Benedicto Peranovich, que segundo o jornal “foi a alma do festival, cujo brilho em grande parte se deve a ele. Muito auxiliou nos ensaios com a melhor boa vontade e representou admiravelmente, com muito empenho, arte e graça, todos os papéis que lhe foram confiados. Coração bom e generoso, apraz-nos vê-lo sempre pronto a contribuir com sua bolsa e seu trabalho para todas as festas de caridade. É um amigo dos pobres, é um digno emulador do bom Samaritano”. Tempos em que a cultura produzida pela elite econômica era aceita, mas sua produçãorealizada por puro diletantismo, principalmente nas pequenas cidades do interior (com raras exceções). Fato que ocorria em razão da arte, naquele momento,não ser vista como atividade econômica e consequentemente o artista não ser aceito como trabalhador…

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.