O cinema mudo em Atibaia

E aqui cabem os créditos aos empresários Deoclides Freire e Hilário de Vasconcelos, os visionários do setor. Não fosse a crise,provavelmente sua história teria tido momentos ainda mais interessantes. Mas antes de chegar a primeira projeção no Teatrinho do Mercado, pelas mãos dos exibidores itinerantes, o cinema percorreu um longo caminho de desenvolvimento técnico.

Márcio Zago

De 1903, quando os habitantes de Atibaia testemunharam pela primeira vez uma projeção cinematográfica, até aproximadamente 1915, quando agravou a crise decorrente da Primeira Guerra Mundial e da Gripe Espanhola, o cenário cinematográfico local foi marcado pelo pioneirismo e pelo arrojo empresarial.
E aqui cabem os créditos aos empresários Deoclides Freire e Hilário de Vasconcelos, os visionários do setor. Não fosse a crise,provavelmente sua história teria tido momentos ainda mais interessantes. Mas antes de chegar a primeira projeção no Teatrinho do Mercado, pelas mãos dos exibidores itinerantes, o cinema percorreu um longo caminho de desenvolvimento técnico.
Esse trajeto não pode ser atribuído a uma única pessoa, visto que a invenção do cinema é a somatória de inúmeras descobertas que vem desde os tempos mais remotos, com a câmara escura, passando pelos brinquedos óticos até o desenvolvimento da filmadora, do projetor e sua popularização. Tão importante quanto o recurso técnico foi oaprimoramento do cinema como linguagem.
Quando o cinema chegou a Atibaia não havia uma linguagem desenvolvida: a novidade era a própria projeção. O encantamento vinha da ilusão de ver objetos e pessoas em movimentos numa parede branca. O espanto que o fenômeno causou aqui também ocorria em todos os lugares aonde o cinema chegava pela primeira vez. A diferença foi que em Atibaia a novidade encantou a elite local, muito em razão da ausência de outras formas de entretenimento. O teatro só iria se desenvolver alguns anos mais tarde, com a chegada do casal Alexandre e NievesPaganelli.
As únicas diversões existentes até então eram os bailes, as festas religiosas e os circos que por aqui passavam. Ainda vigorava a pecha de cidade triste, cunhada por Afonso de Carvalho numa crônica do Atibaiense. A paixão imediata da elite pela linguagem cinematográfica abriu caminho para seu rápido desenvolvimento. Logo em 1910 começaram as exibições regulares e no ano seguinte a cidade ganhou seu primeiro cinema, o Pavilhão Recreio Cinema.
Dois anos depois surgiu o segundo cinema, o Palace Theatro. Juntos somavam mais de 1500 lugares para uma população de 11.000 habitantes. A projeção, os ventiladores e a iluminação, tudo movido à energia elétrica (uma novidade na época), criavam a sensação de que a modernidade chegava a Atibaia através das salas de exibição e o espaço ganhou um “glamour” especial que atraía espectadores de outras localidades. Na tela surgiram as primeiras inserções, com textos curtos e explicativos.
O enredo começou a ganhar importância e alguns artistas conquistaram a preferencia do público. O acompanhamento musical também ganhouuma importância cada vez maior pelas mãos de Juvêncio da Fonseca e da orquestra Euterpe, do maestro Pedro de Vasconcelos. Para dar conta da expectativa criada, os empresários locais buscavam exibir os filmes mais comentados em São Paulo, formando um público exigente, cativo e altamente qualificado, os chamados “habitués.”Mas a ascensão dos cinemas foi interrompida com a crise que ocorreu após 1915.
O Palace Theatro, que na época levava o nome de Nordisk Cinema, não resistiu e fechou suas portas. O Pavilhão Recreio Cinema, que mais tarde recebeu o nome de Pavilhão Central resistiu por mais tempo, chegando até os anos sessenta, quando também foi abaixocom o nome de Cine República. Mas, passada a crise, logo viria outra onda de desenvolvimento e expansão do cinema, tanto em relação a sua técnica, como na linguagem. O cinema a partir da década de 1920 ficou caracterizado pelo início do cinema falado, dos filmes Technicolor, e não mais colorizado como antes e Atibaia ganharia um novo cinema, o Cine Trianon, dos irmãos Titarelli. Felizmente, o sonho e a magia do cinema teriam seus próximos capítulos.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.