A Quermesse como espaço cultural

A origem dessas festas remonta à Idade Média, quando as celebrações em homenagem aos santos padroeiros das igrejas se popularizaram.

Márcio Zago

Por muito tempo, as quermesses desempenharam um papel central na vida das comunidades da região. Em um cenário com poucas opções de lazer, esses eventos promoviam a integração entre os moradores, fortaleciam os laços de amizade e solidariedade e contribuíam para a preservação das tradições locais. Assim, consolidaram-se como espaços essenciais para as manifestações culturais.
As primeiras edições do jornal O Atibaiense, de 1901, e até mesmo do jornal O Itapetinga, fundado em 1890, já mencionavam as quermesses como eventos de grande relevância. A origem dessas festas remonta à Idade Média, quando as celebrações em homenagem aos santos padroeiros das igrejas se popularizaram.
O termo “quermesse” deriva da palavra neerlandesa kerkmesse, onde kerk significa “igreja” e messe se refere a “feira”, destacando a ligação estreita entre esses eventos e a tradição católica. Muitas das construções, aquisições e manutenções realizadas pelas igrejas do interior foram viabilizadas pelas quermesses, que serviam como um meio eficaz de arrecadação de recursos.
Esses eventos contavam tanto com grandes doações dos mais abastados quanto com a participação de voluntários que organizavam barracas, preparavam comidas típicas e garantiam a diversão dos frequentadores. Com base nas informações dos jornais da época, é possível inferir que a maioria das igrejas dos bairros também realizava suas próprias quermesses, sempre com o objetivo de destinar os ganhos à manutenção da igreja ou a obras sociais da região.
Além das tradicionais barracas com prendas doadas pela comunidade, havia aquelas que vendiam pequenos objetos e guloseimas. Curiosamente, essas barracas eram nomeadas de acordo com acontecimentos da época, o que facilitava a organização e a prestação de contas. Após o evento, um relatório detalhado das receitas e despesas era publicado no jornal local, o que incluía até mesmo os valores mais modestos.
Há uma grande diversidade de quermesses, que variam de acordo com a cultura e a região. Exemplos incluem as quermesses juninas, realizadas nas festas de São João, e as quermesses de Natal, celebradas em homenagem ao nascimento de Jesus, ambas populares na região. No entanto, eram as atrações culturais que mais cativavam o público. A presença de grupos populares, bandas e artistas de diversas localidades eram frequentes, tornando esses eventos uma verdadeira vitrine para manifestações artísticas.
Embora tradicionalmente realizadas em espaços abertos, em 1913 o empresário Deoclides Freire inovou ao ceder o Pavilhão Recreio Cinema para a realização da primeira quermesse em local fechado, beneficiando a Santa Casa de Misericórdia e a Igreja Matriz. Com o passar do tempo, as quermesses perderam parte de sua relevância, e os eventos ligados à religião católica deixaram de ser os principais promotores das manifestações culturais nas cidades interioranas. No entanto, algumas quermesses ainda mantêm viva essa tradição e continuam a atrair muitos frequentadores. Um exemplo é a festa que ocorre a mais de cem anos na igreja de Santo Antônio do Abacaxi, na cidade de Itatiba, interior de São Paulo, ou ainda a Quermesse da Paróquia Santa Achiropita, no bairro do Bixiga, em São Paulo, que se destacam por preservar essas tradições. Esse tipo de celebração, que marcou por muito tempo as cidades do interior, também é comum em países como Portugal, Espanha e Itália.