Morre Leopoldo Rey, um eterno amante do rock

Faleceu na última sexta-feira, dia 20, Francisco Leopoldo Santos D’Arienzo, mais conhecido como Leopoldo Rey. Nossa homenagem ao eterno amante do rock.

Foto: Internet

 

“O Rey do Rock”

Thais Otoni

 

Em 2003, quando cursava a pós-graduação, precisei encontrar um personagem para uma reportagem da disciplina Jornalismo Literário. À época, indicaram que procurasse pelo Rey. E o texto abaixo foi o resultado da entrevista que se transformou em um agradável bate-papo e uma aula sobre rock.

 

Aos 59 anos, os cabelos brancos disputando espaço com a calvície, Francisco Leopoldo Santos D’Arienzo, andar cabisbaixo, passaria despercebido pela rua, se não fosse o famoso Rey (“com y por favor”) de Atibaia. O apelido não vem do nome – extenso como o dos nobres – mas sim dos amigos de infância, que o achavam parecido com um goleiro (também conhecido como Rei). A semelhança o transformou no “Reyzinho” da turma durante a infância, e no Rey do Rock na profissão.

Apesar de nunca ter cursado a faculdade de Jornalismo e de ter entrado nas redações apenas como freelancer, Francisco desenvolveu suas habilidades literárias ainda na infância. Em Atibaia, para onde se mudou com a família em 1957, escrevia para o jornal mural da Escola Major Juvenal Alvim. Como se destacava nas aulas e provas de redação, aos 12 anos, um de seus professores, na época diretor d’O Atibaiense, pediu que Francisco escrevesse crônicas para o jornal. O curioso é que ele sempre foi, segundo suas palavras, “péssimo em gramática”, mas excelente em redação. “O gozado é que eu nunca errava acento, concordância, nada nas redações, mas explicar isso eu nunca soube”.

O rádio, no entanto, era (e ainda é) sua grande paixão. “A Rádio Atibaia ficava perto da minha casa, então eu pulava o muro e ficava lá xeretando, até que um dia resolveram me colocar para trabalhar. Eu escrevia sobre esportes e também apresentava parte do programa”.

As experiências da infância e adolescência ficaram para trás quando voltou para São Paulo, sua cidade natal, com o objetivo de trabalhar e cursar a faculdade de Direito na FMU, mas problemas financeiros e familiares o fizeram desistir do curso. “Com os problemas que surgiram, acabei indo trabalhar como gerente de uma loja de discos e foi lá que conheci alguns jornalistas, entre eles Maurício Kubrusly e Carlos Gouveia, que me levaram para trabalhar na Excelsior”.

Foi então que surgiu o nome muito conhecido no mundo da música: Leopoldo Rey. “Em Atibaia eu era o Reyzinho ou o Chico. Mas quando comecei a trabalhar em São Paulo, o Kubrusly mudou para Leopoldo porque ele achava que combinava mais, afinal, rei tem de ter nome imponente”.

Na Excelsior, Rey produzia e apresentava, na AM, os programas Rock Show (entre 1979 e 1981) e Big Beat (início dos anos 80), que também era apresentado na Gazeta AM. Na Excelsior FM, foi o responsável pelo programa Rock Sandwich (1982). “Mas como em rádio sempre tem um dia que todo mundo é mandado embora, eu e vários colegas fomos despedidos. Mas rádio era assim: você entrava, saia, ia para outra”.

Depois de sair da Excelsior, ele e os colegas foram levados por Kubrusly para trabalhar na revista Somtrês, da Editora Três. Quando foi extinta, a publicação foi substituída pela revista Bizz, da qual também foi colunista. A partir de então surgiram oportunidades de trabalho como freelancer em outros veículos, como Jornal da Tarde, O Estado de S. Paulo (Caderno 2), Folha da Tarde, Folha de S. Paulo, revistas Rock Brigade, Rock Store, Dynamete e On & Off. Na televisão, escreveu textos para a TV Bandeirantes.

“Nesta época, eu escrevia para vários veículos e apanhava muito da máquina de escrever. Por incrível que pareça, eu tinha mais dificuldades com a máquina do que hoje com o computador”.

Em algumas épocas, Rey colaborava para vários veículos e varava noites acordado, escrevendo sobre sua grande paixão: o rock. Apesar de ser um fã de carteirinha desse gênero musical, Leopoldo também escreveu matérias sobre MPB. Ele se lembra então de alguns fatos divertidos, como uma entrevista com Simone e uma matéria com Daniela Mercury. “Eu fui uma das primeiras pessoas a entrevistar a Daniela, quando ele era apenas a Dani de uma banda na Bahia. Eu falei bem do trabalho dela e acabei recebendo vários presentes”.

Cássia Eller também o presenteou certa vez. Depois de escrever uma matéria sobre um disco dela, criticando um detalhe que não gostou, Leopoldo recebeu um tênis de presente da cantora. “Eu achei estranho, afinal, estava falando mal do disco dela, mas acontece que a Cássia também não havia gostado daquele aspecto do trabalho e concordava com a minha crítica”.

Um dos fatos mais interessantes de sua carreira foi uma entrevista com ninguém menos que B. B. King. Na época, ele “encheu tanto a paciência de um repórter” que conseguiu a credencial para o show. Mas quando foi fazer a entrevista no hotel, não conseguia falar nada diante de seu ídolo. “Eu fiquei meio bobo, pensando o que eu ia perguntar para ele. Na saída, ele começou a distribuir alguns relógios com ponteiros em forma de guitarra, eu fiquei louco para pegar um e fui até ele. O King então brincou que finalmente eu tinha resolvido falar com ele, mas como os relógios tinham acabado, ele me deu um broche em forma de guitarra com seu nome gravado”. A lembrança está guardada até hoje, em uma pequena caixa, ao lado da credencial autografada pelo astro do Blues.

A reação muda do fã/repórter acabou rendendo frutos: ele foi convidado a se sentar na primeira mesa em frente ao palco para assistir ao show, com direito a uísque e comida de graça, e recebeu credencial para acompanhar uma recepção depois da apresentação, onde pode conversar com King novamente. “Eu inclusive saí em uma foto que o King levou com ele”.

As histórias são várias, afinal, Rey já esteve em grandes eventos e turnês, como os dois primeiros Rock’n’Rio, o Hollywood Rock e o Monsters of Rock, mantendo contato com grandes nomes do cenário musical, como Robert Plant, Jimmy Page, Paul MacCartney. Gostou também dos shows de Little Richard, Chuck Berry, Iron Maiden, Van Halen (na época banda pouco conhecida), entre outros astros e bandas.

Mas e os brasileiros? “No rock nacional conheci quase todas as bandas. Cansei de ver Kid Abelha, Paralamas do Sucesso, Ira, Titãs. Recebi em casa inclusive a Rita Lee, os Mutantes, o Max Cavalera, entre outros”.

Há também histórias embaraçosas, como a de quando, em uma entrevista coletiva com Paul McCartney, Rey deixou cair o microfone. “Nós estávamos no Pacaembu, sentados nas arquibancadas. Uma pessoa da produção chegou e disse que Paul iria responder apenas a uma pergunta de cada jornalista, de apenas 30 jornalistas. Quando foram passar o microfone para mim, eu o deixei cair, fazendo um barulho estrondoso no local. Fiquei morrendo de vergonha”.

Depois do embaraço, porém, veio a recompensa. Na hora de sair, McCartney cumprimentou todos os jornalistas com um aperto de mãos, Rey foi um dos últimos a sair e, quando foi apertar a mão de seu ídolo, Paul lembrou-se do episódio do microfone, fez uma brincadeira e lhe deu um abraço. “Para mim foi o máximo. Eu sempre fui muito fã dos Beatles e me senti privilegiado em ser o único a receber um abraço de McCartney”.

O roqueiro metido a repórter acompanhou várias turnês no país, jantava e almoçava com os integrantes das bandas, convivia com os astros do rock. “Escrever sobre música não dá dinheiro, pois recebe-se pouco, mas você se diverte e ganha todos os discos”, comenta sorrindo. “Quando você é solteiro, isso é uma maravilha, mas quando é casado fica complicado, pois você não come discos, tem que ganhar dinheiro.”

No caso de Rey, ele passou boa parte de seus anos trabalhando com música já casado com a primeira esposa, com quem teve três filhos. Em 1989, quando ela faleceu, Leopoldo estava desempregado, e voltou para Atibaia, onde moravam seus pais, para criar as crianças. Sua irmã levou os dois mais velhos para a Inglaterra, ficando apenas o caçula aos seus cuidados. Hoje, a filha mais velha está na Inglaterra e os outros dois estão na África do Sul.

O trabalho em rádio, mesmo nas épocas mais difíceis, podia ser considerado constante. Um de seus programas mais famosos era o Reynação, na 97 FM, que bateu recorde de permanência no ar – ficou 9 anos na programação, de 1985 a 1994. O nome do programa, além de ser uma brincadeira com seu apelido, foi escolhido pois significa brincadeira, travessura, e era o que acontecia no ar: uma brincadeira organizada, mostrando todas as tendências do rock’n’roll, de suas raízes aos rótulos mais atuais. O programa era ao vivo, o que aumentava seu sucesso com o público. “O Reynação era apresentado toda quinta-feira à noite, ao vivo. Foram raros os programas gravados. Fizemos isso apenas em datas como o Natal, mas mesmo assim eu ficava com o rádio ligado em casa para saber se estava tudo certo”.  Em 1995, mesmo com o sucesso no ar, foi despedido. “Houve uma debandada geral na rádio e fiquei desempregado”.

Mas a falta de trabalho durou pouco. No ano seguinte ele foi para a Transamérica, “ganhando razoavelmente bem” e aproveitou para se casar com a atual esposa, com quem tem mais três filhos.

A fase difícil financeiramente voltou em 1997 e, como seus pais haviam falecido, ele resolveu se mudar definitivamente para Atibaia, onde ficaria na casa herdada e teria menos gastos. Foi então que começou a se afastar da vida agitada de São Paulo.

No interior, surgiu novamente a oportunidade de escrever. Um repórter do jornal Sport News pediu para que Rey escrevesse um artigo sobre os Beatles. Gostaram de seu trabalho e ele passou a colaborar semanalmente com matérias sobre sua especialidade, o rock’n’roll. Mas Rey iria se aventurar ainda em outro campo do jornalismo: o esporte.

“O rapaz que cobria a seção de esportes para o jornal, que era um dos assuntos mais importantes, foi embora e fui contratado para trabalhar no lugar dele. Eu não entendia muito do assunto e então pedi um tempo para acompanhar os jogos na cidade”. A aventura deu certo e Rey escreve até hoje para o jornal, no qual também é responsável pela página Memórias (onde são colocadas fotos antigas de esportistas de Atibaia com uma pequena história do episódio) e pela coluna “Véia lôca da Praça”, que conta a história da cidade por meio de personagens.

Mas e o rádio? Depois que saiu da Transamérica, foi convidado para trabalhar em outros lugares, mas como não receberia pelo trabalho, desistiu da área. “Hoje as rádios querem novidade e não qualidade”. Até que surgiu um convite para fazer um programa semanal na Rádio Conexão FM, em Atibaia, onde apresenta o programa Porão, sobre rock, claro, e que mantém um público cativo todos os sábados.

Cobrir shows e passar até doze horas diante de um palco, acompanhando os ensaios, participando das coletivas de imprensa e assistindo às apresentações são atividades que ficaram para trás, como lembranças divertidas. Hoje, a “reinação” só acontece em casa, com os três filhos pequenos.

 

Hoje, 20 anos depois, soube de seu falecimento. Que o Rey do Rock descanse em paz.