Uma apresentação para ser esquecida…

Márcio Zago

Com a inauguração do primeiro cinema de Atibaia, em 1911,a cidade ganhou um novo espaço para abrigar os espetáculos cênicos. O pequeno palco do Pavilhão Recreio Cinema passou a receber mágicos, prestidigitadores, cantores, músicos, espetáculos dramáticos, de variedades e outros. Foi a maneira encontrada por seus proprietários para atrair o diminuto público da época.
Eles sabiam que, além das fitas cinematográficas, era necessário inovar e diversificar com outras atrações… Mas não era fácil! O teatrinho da cidade, que até meses antes era ocupado pelo próprio Recreio Cinema, voltou a receber peças teatrais depois que o prédio foi devolvido para sua antiga função, gerando concorrência. Os circos que se apresentavam com frequência na cidade também geravam competição, principalmente quando seus espetáculos coincidiamcom o dia e o horário das projeções cinematográficas.
A maneira encontrada pelos empresários da Oliveira & Freire denão sobrepor duas apresentações simultâneas foi criar horários alternativos, anunciados com destaque na imprensa local, fato que ocorreu inúmeras vezes. Na época o transformismo cênico ganhava admiradores em Atibaia em razão dos filmes protagonizados pelo italiano Leopoldo Fregoli, exibidos com frequência na cidade.
O transformismo era um gênero de atuação teatral que tinha como destaque a habilidade do ator em encarnar diversos personagens, inclusive com a troca de roupas, mudança de voz, de gesto, etc. Deoclides Freire, um dos proprietários do Pavilhão Recreio Cinema,era admirador do gênero e tentou trazer o próprio Leopoldo Fregoli para Atibaia, aproveitando-se de uma turnê que o artista fazia pelo país. Sem sucesso, contratou outros dois artistas que estreavam no teatro.
A peça foi apresentada na inauguração do palco do Pavilhão Recreio Cinema. A descrição do inusitado acontecimento foi descrita com detalhes na página do jornal “O Atibaiense”: “(…) Outra parte, a segunda, esperava-se grande sucesso com a estréia dos dois artistas transformistas. Foi um grande desastre a tal estreia. Logo no subir do pano a aparência foi belíssima, inaugurava-se a Sala Nobre, obra-prima de cenografia do jovem pintor Leonardo do Coração de Jesus, e logo após apareceram em cena dois “clowns”, um vestido de mulher e outro de soldado, cantaram uma mixórdia, que segundo o programa era uma espécie de “Cobre-me, cobre-me”. Os homens foram corajosos, abusaram por demais do público de Atibaia.
Daí continuou sempre mudando de vestes e cantando sempre, e numa dessas, no final, endoideceram. Começaram a dar patadas e coices, de fazer corar a um frade de pedra, em suma: Foi um horror! Terminou a segunda parte com um monólogo inferior a qualquer “samba” ou “cateretê” dos nossos crioulos e caboclos. O público portou-se com paciência de Jó. Ainda tinha uma cena a terminar quando os espectadores em massa se levantaram maldizendo daquelas horas amargas porque a Empresa lhes fez passar. (…)”. Como se vê, não é nada fácil viver da cultura… E desde os tempos mais remotos.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.