A adultização das crianças como instrumento da pedofilia
Como o vídeo do youtuber Felca tirou o véu da indústria de exploração da imagem de crianças online.

Anna Luiza Calixto
Com o título Adultização, o YouTuber Felca publicou um vídeo que alcançou mais de 27 milhões de visualizações ao falar sobre um tema que deveria ser pauta constante — e não apenas uma onda passageira de indignação: a exploração da imagem de crianças na internet. Com seu estilo direto, ele expôs práticas que muitos normalizam: exposição excessiva, sexualização precoce e exploração da imagem infantil em busca de likes, visualizações e, claro, monetização.
Mas aqui está o ponto crucial: quando a proteção das crianças entra no ciclo de trends, ela corre o risco de perder força assim que o algoritmo decide que outro tema é mais “engajável”. Criança não é pauta do dia. Criança é pauta de vida.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) écristalino: crianças e adolescentes têm direito à dignidade, à imagem, à preservação da integridade física e psicológica, e qualquer forma de exploração — inclusive midiática —é passível de responsabilização. O Artigo 17 afirma: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente”, e o Artigo 18 reforça que é dever de todos zelar por sua dignidade. Não há brecha para relativizar isso em nome de conteúdo ou entretenimento.
Ainda assim, assistimos a parlamentares admitirem, publicamente, que só compreenderam a gravidade do problema após ver um vídeo no YouTube. Não deveria ser preciso que um influenciador viralize um tema para que um legislador entenda seu dever legal — e moral — de proteger crianças. O Brasil já possui legislação robusta, fruto de décadas de luta, mas que segue sendo aplicada de forma tímida, quase reativa, quando deveria ser preventiva.
A internet não é, nem nunca foi, um lugar seguro para crianças.É um espaço de risco permanente, onde exploradores se aproveitam de cada brecha. Cada segundo de exposição desnecessária, cada vídeo que coloca crianças em situações constrangedoras ou sexualizadas,é um convite aberto à violação de direitos. A responsabilidade é compartilhada: das famílias, das plataformas e, principalmente, do poder público.
Não podemos nos dar ao luxo de tratar a adultização infantil como uma trend de indignação digital, que sai de cena na mesma velocidade com que entrou. É preciso manter o debate vivo, pressionar por fiscalização efetiva, responsabilizar quem lucra com a exploração e investir em educação digital para pais e responsáveis. E isso não começa nem termina com um vídeo viral — começa com o compromisso de enxergar cada criança não como conteúdo, mas como sujeito de direitos.



