A infância nos anos 30 em Atibaia
Até os anos trinta, o jornal O Atibaiense raramente publicava matérias destacando o protagonismo infantil.
Márcio Zago
Nas primeiras décadas do século XX, a criança ainda era tratada como um adulto em miniatura. Marcada pela adultização precoce, a criança, como segmento social, não dispunha de vez nem voz, fato que se refletia em todos os setores. Até os anos trinta, o jornal O Atibaiense raramente publicava matérias destacando o protagonismo infantil. As exceções ocorriam nos anúncios de circos e parques infantis que se instalavam temporariamente na cidade ou em alguma informação sobre a Tico-Tico, a primeira revista brasileira direcionada ao público infantil (fundada em 1905). Outra exceção foi em 1918, quando o jornal publicou os melhores trabalhos de redação escritos pelos alunos do Grupo Escolar.
Já em 1934, uma pequena nota chamou a atenção justamente por ser direcionada a esse segmento. Ela informava a presença do Sr. Roque A. Souza, representante paulista da fábrica “A Hollandeza”, em Atibaia. “A Hollandeza” era uma fábrica de balas, caramelos, bombons e chocolates que teve grande popularidade nos anos 30. A intenção da visita era promover um concurso que prometia distribuir valiosos prêmios aos ganhadores mirins.
Tratava-se de uma campanha promocional onde a educação e a cultura, expressas em conhecimentos gerais, eram utilizadas de forma bastante convincente. A nota dizia: “(…) Acompanham as balas ‘Hollandezas’ pequenas gravuras, que deverão ser colecionadas num interessante e instrutivo álbum, distribuído mediante a apresentação de um cupom devidamente selado. E para adquirir o cupom são necessárias 15 figurinhas”. Esse álbum de figurinhas não foi o primeiro impresso nesse gênero de pequenas gravuras colecionáveis, mas tornou-se um dos mais populares entre a criançada da época. Cada bala vinha com uma figurinha, que no álbum tinha o seu lugar específico para ser colada, formando depois uma revista ilustrada sobre diferentes temas.
Quem completava o álbum ganhava uma máquina fotográfica, um par de patins, um relógio de pulso ou uma bola de futebol. Nesse álbum, a questão nacionalista tinha forte presença, como na seção “Grandes Homens do Brasil”, com destaque para personalidades como Santos Dumont, Rui Barbosa, Machado de Assis, etc. Outras seções eram sobre as cidades brasileiras, a fauna e os monumentos nacionais, os trajes típicos dos estados, finalizando com “Imprudências”, onde as figurinhas ilustravam (e alertavam) sobre os perigos e distrações a que estavam sujeitas as crianças da época, como: subir em árvores; atravessar os trilhos dos trens; cutucar um enxame de abelhas, etc. Na contracapa, uma mensagem “À mocidade do Brasil”, onde a fábrica de balas “A Hollandeza” explicitava suas intenções: “O de proporcionar aos jovens um passatempo agradável e ao mesmo tempo altamente instrutivo”.
Lembrando que naquela época a reprodução de qualquer imagem em larga escala não era tarefa fácil, daí a “sacada” do fabricante em mostrar figuras, cenas, objetos e personalidades que contribuíssem para a formação do repertório visual sobre história, geografia, fauna e flora brasileiras. Hoje, em tempos de banalização da imagem, pode parecer ingênuo, mas uma simples figurinha representou no passado uma informação valiosa, se considerarmos a escassez de outras fontes. Anos depois, o álbum de figurinhas perdeu essa função formativa, passou a ser vendido em envelopes fechados e ganhou um tratamento acentuadamente comercial.
Ainda hoje, resistindo a todas as concorrências digitais e analógicas, a brincadeira de colecionar figurinhas e completar um álbum continua encantando as novas gerações, especialmente nas proximidades dos tradicionais torneios de futebol, como a Copa do Mundo, Copa América ou Libertadores, onde os jogadores ganham popularidade entre a criançada e alguns craques até viram a “figurinha rara” do álbum, para tristeza dos colecionadores e alegria do fabricante. No Brasil, a efetiva inclusão da infância nas políticas públicas só aconteceu mais tarde, e ainda hoje está longe de ser minimamente aceitável.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.