Romaria aos cemitérios em Atibaia na primeira década do século XX
De acordo com a Igreja Católica, a alma da maioria dos mortos está no purgatório passando por um processo de purificação.
Márcio Zago
Na primeira década do século XX as romarias aos cemitérios em Dia de Finados ainda eram comuns em Atibaia. Celebrado no dia 02 de novembro, a data tinha por objetivo principal relembrar a memória dos mortos, dos entes queridos que já se foram, bem como rezar por suas almas.
De acordo com a Igreja Católica, a alma da maioria dos mortos está no purgatório passando por um processo de purificação. Por essa razão, ela necessita de orações dos vivos para que intercedam a Deus pelo sofrimento que as aflige. Na idade Média esse dia era conhecido como “Dia de todas as Almas”. Em Atibaia integrava as celebrações de Finados a saída da procissão da Igreja da Matrizaté o cemitério. Liderada pelo Vigário da Paróquia a procissão era acompanhada pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, além de uma enorme massa de devotos.
No cemitério realizava-se a encomendação das almas e em seguida os beatos regressavam a Matriz com as mesmas formalidades. Fazia parte das celebrações enfeitar com flores, muitas vezes artificiais, os túmulos dos parentes e dos amigos. A romaria aos cemitérios era um acontecimento religioso que mobilizava a cidade, e chegou a reunir mais de oito mil pessoas numa celebração que acorreu no ano de 1915. Lembrando que nessa época a população local era de aproximadamente 14.000 habitantes. Sem a romaria, o Dia de Finados ainda é celebrado até hoje por boa parte da população local, mas a relação entre os mortos e os vivos já mudou bastante nessa nossa caminhada civilizatória.
Hoje soaria bastante estranho um artigo publicado no jornal “O Atibaiense” de 1902: “No dia 31 do mês passado um grupo de pessoas conduziam um cadáver numa rede para o cemitério desta cidade. Às 10 horas da manhã, pouco mais ou menos, ao enfrentar a matriz, deram com o morto ao chão; logo mais adiante, à Rua José Lucas, outro tombo, deixando o cadáver em mísero estado, devido à lama e molhado como se achava. Recomendamos a esses condutores mais um pouco de humanidade para com os mortos.”
Nessa época, como se nota, o enterro ainda se dava em redes amarradas num pau e carregadas por duas pessoas. Outro artigo, um tanto macabro, dizia respeito à romaria ao cemitério ocorridano Dia de Finados de 1909: “(…) Uma nota dissonante passou-se nesse dia no cemitério velho do S.S. Sacramento, a qual nos penalizou bastante: Um magote de meninos inconscientes sem noção da religião Cristã violaram alguns túmulos existentes naquele cemitério retirando deles alguns ossos fazendo “grandes alaridos”, atirando uns nos outros aqueles restos preciosos de pessoas que nos foram bastante caros. É preciso haver um corretivo a esses meninos que crescem soltos nas ruas com o consentimento de seus pais que são desprovidos da necessária força moral. Faz-se mister que cenas sacrílegas como aquela que se deu no dia 02, não mais se reproduzam”.
Nessa época ainda contávamos com dois cemitérios na cidade. Um deles era o “cemitério velho do S.S. Sacramento” (como consta no texto acima), também conhecido como Cemitério da Fábrica, ou Cemitério do Rosário, que ficava na proximidade da Igreja do Rosário e do recém-construído Grupo Escolar (1905).
Com a crescente urbanização da cidade e a proximidade com o grupo escolar o velho Cemitério da Fabrica acabou ficando obsoleto. Até 1906 era comum encontrar artigos extremamente críticos em relação a esse espaço nas páginas do jornal “O Atibaiense”, onde as queixas contra o abandono e o descaso das autoridades municipais e religiosas eram bastante contundentes. Os artigos pediam a extinção do velho cemitério e a urgência de estabelecer prazo de transferência dos despojos mortaisali presentes para a novanecrópole criada no biênio 1899 a 1902, pela Câmara Municipal. A nova necrópole é o Cemitério Municipal que temos hoje na Avenida da Saudade.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.