A pressa é um culto moderno?

Desaprendemos a respirar e a encontrar tempo entre a sobrecarga e a pressão externa.

Anna Luiza Calixto

“E aí, como estão as coisas?”
“Ah, na correria, né? Quase não paro.”
Parece não haver outra possibilidade de resposta. Quem não está correndo, parece estar ficando para trás.
Vivemos como quem deve algo. Acordamos devendo, dormimos devendo, respiramos devendo. E essa sensação difusa (de atraso, de insuficiência, de nunca alcançar) não é pessoal. É política. É o neo (necro?) liberalismo nos levando pela mão e nos ensinando a correr sem destino, como se velocidade fosse virtude.
A pressa virou uma espécie de religião moderna.Um culto silencioso, que não exige fé, mas renúncia à qualidade de vida e devoção aos ponteiros do relógio marcando carga horária. A vida, que deveria ser território vivo, virou uma agenda.E nós, que deveríamos ser gente, viramos tarefa.
O mundo acorda apressado, as crianças crescem apressadas, os amores se encaixam entre horários. Corremos tanto para quê? Para onde? Para longe? Do que estamos fugindo?
Lembro de Ailton Krenak em A vida não éútil, quando ele insiste (quase como um profeta cansado) que a vida não pode ser reduzida a função, desempenho, utilidade.Krenak nos lembra do óbvio esquecido: não nascemos para produzir, mas para ser.”
Nós aprendemos a olhar para nós mesmas como planilhas, prazos, metas de curto, médio e longe prazo. Convivendo com a culpa, aprendemos que nosso tempo nunca é o certo porque o descanso vira desperdício.
A pressa é uma doutrina cruel, nos põe em fila, nos ordena, nos cala. Um corpo cansado também é um corpo adoecido. Um corpo esgotado não sonha outros mundos.

Pensemos nisso antes de elaborar listas quilométricas com objetivos para 2026, porque nos perdemos nessas listas que não nos conectam conosco, mas tentam construir pontes frágeis até uma versão ideal que não teve tempo para maturar, crescer ou sequer nascer.
Pequenos momentos em que o tempo recupera sua delicadeza original: o café que esfria enquanto você olha pela janela, o banho mais demorado, o abraço que dura um pouco além.Esses instantes são microrebeldias: pequenas deserções da máquina, revoluções cotidianas.
Krenak diria que são lembranças de que ainda somos natureza. Ela que não precisa do método pomodoro, agendas virtuais, planners e despertadores para que os rios corram, as flores nasçam e os pássaros alcem voo.
Esta reflexão se faz particularmente necessário neste primeiro sábado de dezembro, em que a angústia parece piscar junto com as decorações de Natal. Você já é tudo o que precisa ser. Acredite em mim: se quiser ser mais, há tempo de sobra.
O que acontece quando desaceleramos? Quando uma peça quebra dentro da engrenagem? Quando alguém se recusa a pisar no acelerador? Eu te respondo: a vida acontece.
Respira, bebe água, olha pela janela, oferece um abraço, olha para você no espelho sem procurar necessidades de intervenção estética. Quando tiramos a pilha do relógio, nos recarregamos um pouco.