HISTÓRIA DE ATIBAIA – Com Zé Fidelis, o rádio chega às páginas de O Atibaiense
Em 1946, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a alegria voltava a ocupar corações e mentes. Em Atibaia, o jornal O Atibaiense acompanhava esse novo espírito de leveza e renovação ao inaugurar uma coluna humorística de publicação regular.
Márcio Zago
Em 1946, com o fim da Segunda Guerra Mundial, a alegria voltava a ocupar corações e mentes. Em Atibaia, o jornal O Atibaiense acompanhava esse novo espírito de leveza e renovação ao inaugurar uma coluna humorística de publicação regular. Até então, o humor surgia apenas de forma pontual, presente em crônicas e sátiras literárias assinadas por diversos colunistas que preenchiam as páginas do periódico.
Essa mudança ganhou corpo durante a breve passagem do jornalista João Echeverria Garcia pela direção do jornal, quando o humor passou a ter espaço próprio e reconhecimento editorial. Com sua morte prematura, a direção do jornal foi assumida pelo jovem André Carneiro, que deu continuidade à proposta e, ainda em 1946, criou a “coluna humorística”, anunciada como escrita especialmente para O Atibaiense.
O subtítulo era provocativo e espirituoso: “Coisas… Du Zé Fidelis – escritor e gasogênios.” Zé Fidelis, pseudônimo de Gino Cortopassi, foi cantor, compositor, ator e humorista. Apresentava-se no rádio como “o inimigo número um da tristeza” e é considerado o primeiro humorista brasileiro a alcançar notoriedade nesse meio. Também foi pioneiro na indústria fonográfica ao lançar, em 1958, um LP inteiramente dedicado ao humor — um feito inédito na época. Seu talento ultrapassava as paródias, piadas e músicas que compunha para diversos artistas, estendendo-se também à escrita.
Foi autor de livros de títulos tão irreverentes quanto seu estilo: Binho, Mulata e Vacalhau; Muito Sangue e Pouca Areia; Seleção Canalhinha; História do Mundo; Teatro Maluco; Meningite Aguda; Lira Arreventada; Sarravulho; Bérsus a Gasugênio e Ópera pela Tripa. Além disso, manteve colunas semanais em vários jornais, onde intercalava pequenos contos e poemas satíricos, sempre adaptando sua escrita à oralidade e aos sotaques do português falado — recurso que, mais do que cômico, aproximava sua linguagem do povo. Em 1946 o Atibaiense publicou o poema: “Um pidido”, com o subtítulo “Na térra de cégocãimtãim um olho fichado i oitropuravriretanbãem é cégo”:
Namuramus eu i a Rita
Durante um ano filiz!
Di tantuéla me cheiráre
Fez um galo no nêriz!
Dupois, intão, resolbi
Casar mesmudiburdade
Quis mustráireau meu amôre
Toda a minha lialdade.
Fui cumbersarcô pai déla,
I falãi-lhi com imução:
“Meu sinhôr, amu sua filia!
Disejopedir-lhi a mão!”
“U sinhor só quéire a mão?”
Diz ele fazendo um gésto.
Ruspundi-lhi: “Eu peço a mão,
Purqueco a mão, bem o rêsto…”
Zé Fidelis foi um legítimo representante do humor popular praticado no Brasil de outrora — um humor direto, sagaz, acessível, no qual os palavrões e as ofensas davam lugar à crítica social feita com graça e inteligência. Sua passagem pelo Atibaiense levou às páginas do jornal o espírito do rádio — vibrante, bem-humorado e popular — marcando uma época em que a imprensa local se abria para novas formas de diálogo com seus leitores.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.



