Para você, garota bonita!

Os anúncios publicitários dos anos 1940 reforçavam esse estereótipo ao divulgar “reclames” voltados para cosméticos, produtos de higiene, alimentação, vestuário e utensílios domésticos.

Márcio Zago

O arquivo do jornal O Atibaiense é um microcosmo que reflete, em menor escala, as transformações do país. Ao percorrer suas páginas, é possível identificar as principais mudanças ocorridas tanto no Brasil quanto no mundo. No que se refere às mulheres, essa evolução torna-se particularmente evidente. Desde as primeiras edições, publicadas em 1901, encontram-se, ainda que de forma esparsa, matérias voltadas ao público feminino, muitas delas promovendo remédios e elixires milagrosos. Com o aumento da participação das mulheres na sociedade, seu espaço no jornal também se ampliou. No entanto, essa presença esteve frequentemente atrelada à imagem da mulher como única responsável pela manutenção do lar e pelo bem-estar da família.
Os anúncios publicitários da época reforçavam esse estereótipo ao divulgar “reclames” voltados para cosméticos, produtos de higiene, alimentação, vestuário e utensílios domésticos. Em 1942, O Atibaiense inaugurou sua primeira seção voltada exclusivamente ao público feminino: a coluna “Para você, garota bonita!”, que republicava textos de outros jornais e revistas assinados pela escritora Maria Cristina. No entanto, uma rápida pesquisa não permitiu identificar mais informações sobre essa autora.
O conteúdo da coluna, como o próprio nome sugere, reforçava a visão tradicional da mulher, centrada na aparência e nos cuidados com o lar. Quase sempre, a coluna começava com uma lenda, um conto ou uma história de tom moralista, assinada por “Sarita”. Em seguida, trazia dicas de saúde, moda, comportamento ou culinária, reafirmando os papéis femininos esperados na época.
Nos anos 1940, menos da metade da população brasileira sabia ler e escrever, o que fazia com que a maioria das publicações fosse voltada para a burguesia letrada. Esse fator se refletia nas matérias de moda da coluna, que trazia artigos como: “Segundo notícias de Nova York, os saltos baixos aparecem em salões quase com a mesma frequência com que aparecem nos campos de esportes. Desde a primavera passada, vê-se o calçado de salto baixo com os vestidos de tarde. Nos campos, tais sapatos são usados por todas as mulheres, e já se começa a vê-los com notável frequência na cidade…”Além dessas reportagens, a coluna também trazia pequenas observações de cunho estético e social, como: “A mulher elegante é como o arco-íris: agrada à vista enquanto dura o colorido.” Ou ainda: “O inferno das mulheres não é o fogo, e sim a velhice.”Esses trechos não apenas evidenciam a feminilidade idealizada por determinados segmentos sociais da época, mas também revelam as expectativas e pressões impostas às mulheres.
Esse ideário relegava às mulheres um papel secundário na sociedade e incentivava um padrão de consumo distante da realidade da maioria da população. Felizmente, essa lógica já não é a única. A situação da mulher na sociedade contemporânea é complexa e varia de acordo com o contexto geográfico, cultural e econômico, no entanto, é visívelsua maior participação no mercado de trabalho (apesar das desigualdades salariais), os avanços nos direitos e um aumento na representatividade política em comparação há décadas passada. Porém, os desafios ainda são imensos. A violência de gênero, entre outras, continuam a ser entraves que exigem mudanças urgentes e estruturais. Essas questões dizem respeito não apenas às mulheres, mas a toda a sociedade — e, sobretudo, aos homens, que precisam repensar seus papéis e responsabilidades nesse cenário.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.