Atibaia e as congadas
Em 1941, Atibaia recebeu a visita do renomado jornalista Nelson Vainer. Ao partir, concedeu uma entrevista ao jornal O Atibaiense, compartilhando suas impressões sobre o que viu e sentiu.
Márcio Zago
Após a visita de Mário de Andrade a Atibaia, em 1938, as congadas ganharam visibilidade no meio intelectual do país. Sua pesquisa ressaltou a riqueza cultural ainda presente na cidade, especialmente no que se referia às tradições populares, evidenciando sua autenticidade e preservação.
Essa atenção voltada à cultura local atraiu inúmeros interessados. Em 1941, Atibaia recebeu a visita do jornalista, escritor e pesquisador Nelson Vainer, que permaneceu na cidade por seis semanas. Ao partir, concedeu uma entrevista ao jornal O Atibaiense, onde compartilhou suas impressões sobre o que viu e sentiu. Embora romeno, Vainer era um apaixonado pela cultura brasileira e afirmou: “Não hesito em dizer que o folclore brasileiro é o mais rico do mundo. Minha convicção se reforça com os estudos realizados in loco durante minhas viagens pelo interior do Brasil. As lendas, os mitos e superstições, as quadrinhas, provérbios, canções populares, danças, desafios, as congadas – tudo isso é de uma beleza incomparável.”Nelson Vainer foi autor de diversas publicações sobre diferentes temas, com destaque para suas pesquisas sobre o folclore e, em especial, as lendas indígenas brasileiras.
Amigo de Mário de Andrade, do caricaturista Belmonte, do escritor Guilherme de Almeida e de João Batista Conti, prefeito de Atibaia na época, Vainer falou, na mesma entrevista, sobre a cidade e as congadas: “A Flor Serrana, como Guilherme de Almeida denomina Atibaia, brotou em meio a uma das mais belas paisagens do maravilhoso interior paulista. Quanto ao povo atibaiano, asseguro que jamais esquecerei a acolhida fidalga que me foi dispensada.”Sobre as congadas, destacou: “Trata-se de uma das mais belas manifestações do riquíssimo folclore brasileiro. Ao mesmo tempo, vi como o brasileiro pouco se importa com o que é seu, pois Atibaia é uma das poucas cidades do país onde ainda se realizam congadas.”Esse alerta sobre o desinteresse da população em relação às congadas foi reforçado pelo próprio João Batista Conti, também pesquisador e profundo conhecedor dessa manifestação cultural. Em conversa com Vainer, lamentou o provável declínio das congadas na cidade e advertiu: “Longe não está o dia em que serão completamente olvidadas.”Esse pessimismo quanto à continuidade das congadas e da cultura popular em geral era compartilhado por quase todos os estudiosos do tema na época, incluindo o próprio Mário de Andrade.
Tal preocupação estava diretamente ligada às mudanças sociais do período. A partir da década de 1930, o rádio ganhou uma popularidade sem precedentes, trazendo consigo a massificação da informação e transformando os hábitos culturais da população. O receio era de que a música estrangeira e a influência de outras culturas abafassem as tradições genuinamente brasileiras. Dúvidas semelhantes podem surgir na atualidade diante do avanço das big techs, que dominam o mercado global da comunicação e da cultura.
Se o futuro é incerto, a história mostra que a cultura popular tem uma impressionante capacidade de resistência e resiliência, marcada pela renovação e adaptação às novas realidades. Isso, no entanto, além dos próprios participantes das manifestações, não diminui a importância do árduo e necessário trabalho de inúmeros artistas, espaços, programas de governo e projetos que se mantiveram (e mantém) firmes no propósito de conservar e preservar a cultura popular que, sabemos, é a nossa mais importante identidade simbólica, nossa alma e nossa referencia como brasileiros.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.