As Santas Casas que viraram teatro em Atibaia
Recordações de Atibaia era o nome da coluna que Francisco Silveira Bueno mantinha no jornal O Atibaiense por volta dos anos 1930.
Márcio Zago
No livro Recordações de Atibaia, organizado pelo pesquisador Pedro Alvim, encontramos o texto Santa Casa. Recordações de Atibaia era o nome da coluna que Francisco Silveira Bueno mantinha no jornal O Atibaiense por volta dos anos 1930.
Num relato saboroso, Silveira Bueno descreve o surgimento — ou melhor, a tentativa de surgimento — da primeira Santa Casa de Atibaia, que, por falta de recursos, ficou inacabada e foi transformada em teatro. Essa Santa Casa ficava nas proximidades da atual Santa Casa, na Praça Miguel Vairo, que já foi o Largo dos Enforcados e, posteriormente, o Largo do Cruzeiro.
Silveira Bueno relata que, naquele local, havia uma estrutura de taipa que foi comprada por um morador de Santo Antônio da Cachoeira (atual Piracaia). Ele deixou em testamento os recursos para construir ali a primeira Santa Casa da cidade. Contudo, sem os devidos cuidados, o espólio acabou e a obra foi interrompida, ficando abandonado por certo tempo.
Por ser uma das maiores edificações na época, dois “espíritos galhofeiros” — segundo o autor — decidiram transformar o prédio em teatro. Só esse fato já seria muito interessante, mas torna-se surpreendente ao ser comparado com outra narrativa, de outro autor de grande relevância para a história de Atibaia, que também fala sobre uma tentativa de construir uma Santa Casa em Atibaia, igualmente transformada em teatro após ser abandonada. Essa segunda narrativa é de Waldomiro Franco da Silveira no livro História de Atibaia.
Segundo o autor, havia uma edificação abandonada na atual Praça Aprígio de Toledo, exatamente onde hoje se encontra a entrada do pátio do mercado municipal. Ali também era para ser a primeira Santa Casa de Atibaia e também não foi concluída. Ficou abandonada depois que o Juiz Antônio Bento, responsável pela construção, deixou a cidade após sofrer um atentado em razão de seus ideais abolicionistas.
Desta vez foi o Major Juvenal Alvim, que viu no prédio abandonadoo local ideal para transformá-lo em um espaço teatral. E assim ele fez, mas ocupando somente um quarto do espaço. O restante se transformou em mercado municipal, que também não existia em Atibaia.
O espaço cênico ficou conhecido como “Teatrinho do Mercado”, em razão dessa incomum simbiose. O Teatrinho do Mercado foi amplamente citado em jornais da época até sua extinção em 1915, quando foi desativado para permitir a ampliação do mercado. Já o teatro mencionado por Silveira Bueno carece de informações mais detalhadas, exigindo uma pesquisa aprofundada. Na narrativa de Silveira Bueno, embora não haja uma data específica, o texto sugere ser de um período anterior ao descrito por Waldomiro Franco da Silveira,que ocorreu entre o final do século XIX e início do século XX. Outro detalhe interessante é que os dois “espíritos galhofeiros” mencionados pelo Silveira Bueno, Palhares e Carneiro, também são citados como integrantes do primeiro grupo teatral a ocupar o Teatrinho do Mercado, segundo Waldomiro Franco da Silveira.
Seja engano, coincidência ou fato histórico, é curioso que duas histórias tão semelhantes existam sobre o surgimento do primeiro teatro de Atibaia… Um tema a ser desbravado.
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.