Cacilda no Rosário
Márcio Zago
A água e o clima de Atibaia ganharam notoriedade muito além de seus limites territoriais nas primeiras décadas do século XX. Essa fama atraía tanto turistas quanto enfermos em busca de cura para deficiências respiratórias, tornando-se um atrativo para o setor hoteleiro. Em 1922, foi inaugurado o Hotel Municipal na Praça da Matriz, que ficava onde hoje se encontra a praça frontal do Centro Cultural André Carneiro. Em 1935, surgiu o Hotel São João, situado atrás da Igreja Matriz, hoje inexistente também. Dois anos depois, em março de 1937, Atibaia presenciou a inauguração de um grande empreendimento para a época: o Rosário Hotel, hoje Grande Hotel Atibaia.
Ele foi considerado um dos melhores hotéis do interior do estado. Era mais uma iniciativa do visionário empresário Deoclides Freire, que sonhava em transformar Atibaia na “Petrópolis Paulista”. Para isso, passou a promover diversas ações visando atrair turistas ao seu empreendimento, como hospedar personalidades de destaque social, incluindo artistas e intelectuais.
Na direção do hotel estava Nilo Cunha, ex-hoteleiro de Santos, e sua esposa Nair Freire Cunha, atibaiana que trouxe da Europa um cardápio “cinco estrelas”, segundo o memorialista Renato Zanoni.Em 1939, com o título “Reveillon de Ano Bom”, o jornal O Atibaiense publicou: “Não podia ser mais brilhante o ‘réveillon’ de ano bom, realizado na noite de 31 de dezembro, no Rosário Hotel. Para ali afluiu a fina flor da sociedade atibaiense, que se confraternizou com os hóspedes do ‘Rosário’, num ambiente de luxo e distinção. Os salões azul, vermelho e amarelo receberam belíssima ornamentação a caráter, levando-se ao centro do refeitório uma grande árvore de Natal. O serviço de buffet, irrepreensível. Entremeio às contradanças, a senhorita Cacilda Becker, de Santos, exibiu-se em bailados clássicos, sob deslumbrante efeito de luz. Também a sua irmã Nadir (?) executou um sapateado yankee, sendo esses números coreográficos bastante apreciados pela assistência. Despertou a curiosidade geral o ‘swing’, dança americana há pouco introduzida nos salões dos clubes de nosso país. A excelente orquestra da S. P. R., regida pelo maestro Lopes Filho, muito contribuiu para o êxito da festa.”Como se nota, a “Primeira Dama do Teatro Brasileiro”, a atriz Cacilda Becker Yáconis, esteve em Atibaia.
Na época, com apenas 18 anos, ela ainda exercia sua primeira vocação artística, a de bailarina. Somente dois anos depois, se mudou para o Rio de Janeiro e iniciou a carreira de atriz. Cacilda Becker morava em Santos, assim como o diretor contratado para o Hotel Rosário, Nilo Cunha, cidade em que também morou por certo tempo o empresário Deoclides Freire, o grande responsável pelo Hotel Rosário. No texto do Atibaiense, é citado o nome de Nair como a irmã de Cacilda Becker. Trata-se de um erro, pois não havia nenhuma irmã de nome Nair. Suas irmãs eram Dirce e Cleyde.
Provavelmente foi a CleydeYáconis a irmã que dançou com ela no Hotel Rosário, pois mais tarde também se tornaria uma grande atriz. Cacilda Becker, em seus quarenta e oito anos de vida, transformou-se na personalidade mais importante da classe teatral brasileira, interagindo com atores e diretores como Paschoal Carlos Magno, Décio de Almeida Prado, Ziembinski e outros. Foi a primeira atriz do TBC (Teatro Brasileiro de Comédias) e fundou sua própria companhia, o “Grupo de Teatro Cacilda Becker” (TCB), ao lado dos atores Walmor Chagas, seu marido, Ziembinski, e de sua irmã CleydeYáconis. Morreu no palco, interpretando a peça “Esperando Godot”, de Samuel Beckett. Na ocasião de sua morte, em 1969, o poeta Carlos Drummond de Andrade assim se manifestou: “A morte emendou a gramática / Morreram Cacilda Becker / Não eram uma só. Eram tantas…”
* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.