O jornalismo local é reserva moral da responsabilidade pública

Desde 1987 em atuação na comunicação de Atibaia, especialmente neste nosso querido jornal O Atibaiense, aprendi a valorizar o jornalismo local, aquele em que você conhece praticamente todos os personagens de uma história. Convivemos com nossas fontes, sempre para o bem. Não há como brigar com uma fonte, seja da sociedade, seja do poder público. Cultivamos amizades e a confiança de lideranças que nos orientam a registrar olhares mais equilibrados sobre a realidade municipal, mas sempre existem segmentos da população marginalizados em suas manifestações.
A democracia depende da comunicação. O jornalismo local, reserva moral da responsabilidade pública, precisa estar presente cada vez mais na vida das pessoas. A comunicação efetiva, por sua vez, depende do entendimento de quais são as decisões democráticas que realmente importam. Encontrei na Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) uma reflexão interessante sobre essa mesma realidade. “Toda política é local”, proclama um velho ditado americano. Para que o governo local funcione adequadamente, deve haver jornalismo local para responsabilizar políticos e legisladores, mas o jornalismo local deve evitar o colapso empresarial, encontrando novas articulações com o público e segmentos conscientes da sociedade. Experiências em diferentes países sugerem formas de revitalizar a reportagem local. Todas fazem da produção de notícias de interesse público uma prioridade, por quaisquer meios econômicos disponíveis.
Durante a maior parte do século XX, o negócio de notícias dependeu da receita de publicidade, modelo que começou a mudar no final dos anos 1990, quando a internet se tornou onipresente. As consequências têm sido dramáticas: estimativas indicam que um terço dos jornais existentes nos EUA em 2005 devem desaparecer em 2025. Cerca de 70 milhões de cidadãos americanos já vivem em “desertos de notícias” ou viverão em breve. No Reino Unido, 320 jornais locais fecharam entre 2009 e 2019. No Brasil, o nosso centenário jornal O Atibaiense resiste bravamente.
As implicações para a democracia são inequívocas. Cientistas sociais demonstraram claramente que menos jornalismo local resulta em níveis mais altos de corrupção, prejudica a competição política e reduz o envolvimento dos cidadãos. Para piorar a situação, o vácuo criado pela ausência de notícias locais costuma ser preenchido por fake news e por ruído em torno de conflitos nacionais. É claro que o envolvimento com questões locais não torna automaticamente as pessoas mais civilizadas ou pragmáticas. As disputas entre vizinhos costumam ser as mais desagradáveis de todas e as divergências estaduais e nacionais podem ser facilmente alimentadas em nível local por agentes que criam pânico moral, fazendo-se passar por jornalistas.
O texto da Abraji considera como alternativa a filantropia. Embora haja o perigo óbvio de criar dependências ou conflitos de interesses, a parceria entre financiamento filantrópico e voluntariado pode dar origem a iniciativas inspiradoras, que ajudem a reduzir questões subnotificadas. Outras abordagens inovadoras incluem organizações de notícias pertencentes a funcionários e à comunidade. De qualquer forma, o que importa não é apenas que as organizações de notícias recebam financiamento suficiente; é que elas também façam uso criativo da tecnologia para envolver o público local e, idealmente, permitir que comunidades anteriormente esquecidas projetem suas narrativas. Enfim, torcemos para que se consolide uma nova relação entre a sociedade e o jornalismo. Mesmo com certos atritos, causados pelo aumento da polarização política e pela difusão de desinformação em redes sociais e aplicativos de mensagem, para a democracia persistir essa relação deve ser boa.