E Villa-Lobos não veio…

Essa excursão, por algum motivo, não passou por Atibaia.

Márcio Zago

Em julho de 1931, uma das manchetes do jornal O Atibaiense era: “Grande Espetáculo Lírico-Musical”. A nota fazia referência à passagem da famosa excursão artística empreendida por Villa-Lobos e o pianista Souza Lima pelos palcos do interior paulista. A comitiva era formada pelo próprio maestro e compositor Villa-Lobos; sua esposa Lucilla Villa-Lobos, também pianista de renome; Nair Duarte Nunes, cantora e exímia intérprete, além do pianista Souza Lima, que já havia se apresentado em Atibaia há quase duas décadas, com apenas quinze anos de idade.
Completava a comitiva Antônio Chechin Filho, um técnico em piano de cauda encarregado do “Brasil”, o famoso piano que acompanhava a excursão. A recepção e organização do espetáculo em nossa cidade (hoje nomeamos produção) estavam a cargo de Homero Cardoso de Menezes, José Pires Alvim, Atílio Russomano, Benedito Peranovich, Tomás dos Reis de Almeida e Duarte Conti. A apresentação seria realizada no Teatro República. Na edição seguinte, O Atibaiense informou que o espetáculo fora adiado e depois disso nada mais foi publicado. Essa excursão, por algum motivo, não passou por Atibaia.
Ao consultar determinadas teses e pesquisas realizadas sobre o tema, constatamos a passagem da excursão pela cidade, principalmente quando a informação é baseada no depoimento de Antônio Chechin Filho, mas provavelmente isso não ocorreu. Uma das causas que corrobora para isso é a ausência de informações sobre o assunto na imprensa e nos estudos locais. Um evento tão importante como este não passaria em brancas nuvens por aqui. Outro fato, este sim bastante significativo, é a inexistência do nome da SPR – São Paulo Railway Company, a antiga Bragantina, nos relatórios realizados na época sobre a excursão. A excursão de Villa-Lobos foi realizada somente pelo transporte ferroviário e a ausência da SPR na lista das linhas férreas utilizadas pelo projeto confirma que ele não passou por aqui. Nem por Atibaia e nem por outra cidade que também integrou a linha do SPR. As excursões artísticas de Villa-Lobos tiveram início em 1931 e percorreram cento e dez cidades do interior do estado.
O convite partiu do interventor do Estado de São Paulo – João Alberto Lins de Barros. Mais tarde, o técnico que acompanhava a excursão, Antônio Chechin Filho, escreveu em suas memórias: “As apresentações funcionavam da seguinte forma: uma carta era expedida para cada cidade em que Villa-Lobos pretendia se apresentar, o cunhado do compositor ia à frente da comitiva apresentando a carta e o projeto para as prefeituras, só então o concerto acontecia com divulgação da prefeitura”.
A proposta desse empreendimento era de difundir a música nacional e elevar o nível artístico brasileiro. Uma curiosidade é que a música “O Trenzinho do Caipira” foi composta, ou parcialmente realizada nessa excursão. “Retornando de Bauru (escreveu Antônio Chechin Filho) com destino à Araraquara, Villa-Lobos, bem acomodado em seu banco do carro de passageiros, resolveu escrever uma música.(…) Parecia que estava escrevendo uma carta. Mas não era, não. Era música mesmo! O trem corria, balançava bastante, estava totalmente lotado, com muitas crianças, algumas de vez em quando chorando, e com muito calor. Villa-Lobos foi escrevendo.” O pesquisador Natan Bádue, porém, contesta parcialmente a afirmação de Chechim, que alega ser uma visão um tanto quanto romantizada da situação, já que “O Trenzinho do Caipira” faz parte de um ciclo chamado Bachianas Brasileiras No. 2, o que sugere que a obra já estivesse em trabalho e foi finalizada durante o percurso. De qualquer forma, essa excursão contribuiu para a criaçãode uma das mais belas e conhecidas músicas do maestro, que em 1976 ganhou letra do escritor Ferreira Gullar. Quanto à excursão… Que pena. Por pouco Atibaia não fez parte dessa história.

* Márcio Zago é artista plástico, artista gráfico de formação autodidata, fundador do Instituto Garatuja e autor do livro “Expressão Gráfica da Criança nas Oficinas do Garatuja”.
Criador e curador da Semana André Carneiro.